Nome da narração: Vida e Morte de Jack
Objetivo da narração: Autodestruição.
Quantidade de desafios: -
Quantidade de monstros: -
Espécie dos monstros: -
Foi quando raspei a cabeça.
Aimee dizia gostar do meu cabelo. E era por isso que deixava-o crescer. Merda, agora você quer saber quem é Aimee, não é? Eu vou te dizer.
No tempo em que estive na instituição para jovem carentes, ou orfanato, minha principal atividade era brigar. Porque quando você não tem nada, tem que garantir mesmo o ar que respira. Alguns faziam isso sendo puxa saco, com olhos pidões ou lábios tremendo.
Eu fazia com os meus punhos.
Era por isso que, aos treze, eu já tinha mais cicatrizes do que aniversários. E talvez mais dores do que memórias. Era por isso que nenhuma família adotiva me escolhia. Era por isso que todos eram maus.
Mas Aimee era gentil.
Aimee tinha gosto dos primeiros flocos de neve em uma nevasca. Aimee tinha olhos que eram faróis para os naufragados. Aimee tinha os braços confortáveis como os raios solares em um dia de inverno.
E Aimee não existia.
Minha namorada desde os treze anos e agora, três anos depois, descubro que não existe. Descobri isso apenas quando descobri que tinha amigos. Quando decidi apresentar a minha tímida namorada a Tobikaze, o asiático risonho e Andrew, um negro cabeça quente.
E eles não a viram.
Primeiro, achei que estavam querendo me sacanear e comecei uma briga. E, é claro, apanhei até todos os meus sentidos serem inundados pela dor.
Naquele momento, Aimee sorri para mim e diz: É verdade.
E então, eu raspei a cabeça.
Raspei a cabeça em pleno inverno. E sentia frio, mesmo com um clima quente da California. E quando as luzes se apagavam, nas barracas da quinta coorte, eu não conseguia dormir.
E tudo parece uma cópia, de uma cópia, de uma cópia.
Eu sou uma cópia de Jack.
Uma feita com defeito. Uma sem uma parte importante, que parece ter se perdido. Uma cópia de Jack sem Aimee. E que vagava aleatoriamente por Nova Roma, em busca de uma garota que nunca existiu. Às vezes, nos meus piores dias, tudo ficava escuro e, quando as luzes voltavam, eu estava em um lugar estranho.
Quando se tem insônia, você nunca está realmente dormindo, e você nunca está realmente acordado.
Você acorda na arena, lutando contra monstros que só existem em livros de mitologia.
Você acorda no escritório do pretor, e ele rouba a sua carteira.
Você acorda no banheiro feminino, e apanha de uma filha de marte.
Você acorda numa praia.
Espera, praia? Eu tenho certeza que o acampamento tem um lago e um rio que estupidamente apelidamos de Pequeno Tigre. Mas o que vejo é o oceano.
Estou vestindo uma camisa social branca e amassada, por baixo de uma calça azul-marinho que se segura em minha cintura com um cinto marrom. E nos meus pés estão calçados sapatos gastos.
A mesma roupa que vestia quando uma família visitava o instituto e escolhia uma criança, da mesma forma que escolhia uma caixa de sabão em pó na prateleira do mercado. Da mesma forma que escolhia um cachorro de raça artificialmente produzida e que custa centenas de dólares.
Desta vez, entretanto, Aimee não segurava minha mão.
O Sol esquenta a minha careca, e, no horizonte, um sujeito aparece. Estava nu, e parecia como uma estátua esculpida para ser como um deus romano. Tinha os cabelos louros, a boca sorridente e os olhos insanos. Arrastava pedaços de pau pela areia, e então me perguntou as horas.
Eu não sabia.
Mas, subitamente, havia um relógio em meu pulso. Eu nunca usava relógio.
— São 16:06
Ele ignora a minha presença e começa a montar as peças na areia. Cinco tocos de madeira e um risco no chão. E então se senta, em posição de lótus, e a sua expressão fazia parecer que estava sentado no topo do mundo.
— Eu sou Tyler — se apresenta.
Pergunte se Tyler era artista.
Ele deu de ombros e me mostrou como os cinco troncos eram mais grossos na base. Depois mostrou a linha que tinha riscado na areia e como a usava para medir a sombra feita por cada um dos troncos.
O que Tyler tinha criado era a sombra de uma mão gigante. Mas agora os dedos estavam do tamanho dos de Nosferatu e o polegar era pequeno demais. Mas ele falou que às dezesseis horas e trinta minutos em ponto a mão ficaria perfeita. A sombra da mão gigante ficou perfeita durante um minuto. E, durante um minuto perfeito, Tyler se sentou na palma de algo perfeito que ele mesmo havia criado.
Um minuto é o suficiente, Tyler falou, a pessoa tinha que trabalhar duro para fazer aquilo, mas um minuto de perfeição valia o esforço. Um momento era o máximo de algo perfeito.
— Você não é homem, Jack. E também não é deus. Mentiram que nós somos semideus, mas sabemos a verdade, não é?
Qual é a verdade?
— Nós somos super. Somos além. Me encontre no fundo do poço.
E então você acorda. E é o suficiente.
Fim da introdução.
-
Eu sabia onde ficava o fundo do poço.
É onde estou. Sempre estive. E você só percebe que caiu quando seus ossos são esmagados e seus órgãos choram. Você só percebe que está no fundo do poço quando olha para cima e não existe céu.
Céu. Morada dos deuses. Quando está tarde, e o Sol preguiçosamente começa a se esconder, uma cor avermelhada toma o horizonte. A mesma cor do amor. E quando a pálida luz da Lua alcança o seu auge, o céu se torna negro. A mesma cor do desespero.
Mas de manhã, quando os passarinhos cantam e a fumaça do meu cigarro dança até tocar o Olimpo, sua cor é azul. A mesma dos olhos de Aimee.
Sinto que a minha namorada inexistente está me observando. Já não a vejo há semanas. Mas ela está ali. Na próxima curva que eu virar. Atrás de mim. Ou no ponto mais alto do universo.
Ela me observa sair do acampamento.
Quando eu tinha quatorze anos, foi a primeira vez que escapei do instituto. Foi quando conheci o primeiro monstro, e ele era feito de carne e osso. Caminhava sobre duas pernas, tinha dois olhos, duas mãos, um nariz e uma boca. Falava como eu, pensava como eu. Se vestia como eu.
E como você também.
Apresentou-se como Kevin Shephard e era meu novo professor de filosofia. Ao contrário dos outros professores, não via a minha dislexia como motivo para excluir-me e reprovar. Sentava ao meu lado e me explicava com paciência. Ficamos amigos. E é por isso que sei tanto sobre filosofia moderna.
Aimee o odiava, e agora sei por que.
Porque, num fim de tarde, depois que todos foram embora, o sorriso do senhor Kevin se transfigurou em uma boca de um predador. Suas mãos se transformaram em garras. Seus olhos, em buracos negros. E, com todos os seus atributos monstruosos, ele me segurou.
E me violentou.
Ali, na sala de aula. Com as luzes apagadas. De pé, como se fosse um animal. Pedi por Deus. Pedi pela minha mãe. E então estive em todo lugar, menos ali. Estive em uma floresta com árvores que tocavam o céu. Estive em uma caverna de gelo com um pinguim que se tornou meu amigo. Estive morto e enterrado, esquecido, num cemitério público de San Diego.
Quando terminou, eu estava ferido como nenhuma luta pôde me deixar.
E me deixou lá. Com frio, e caído. Sujo de giz da lousa, e com filhos dele que nunca nascerão. Nesse dia, estava morto. E Aimee me encontrou. Abraçou-me, e sussurrou que estava tudo bem.
E nós fugimos.
E agora eu estava fugindo de novo. Caminhando para a boca do lobo gigante. Cavando o meu caminho até o fundo do poço. Longe das proteções mágicas do acampamento. Longe dos únicos amigos que eu fiz, em toda minha vida. Longe.
Caminhei por San Francisco. Naquela cidade, você poderia ser quem quisesse. Poderia ser um homem de cinquenta anos, casado e com família constituída, e que, só então, descobriu ser uma mulher. Poderia ser uma mulher que escolheu ser um homem que ainda gosta de mulheres. Poderia ser um homem heterossexual que se veste como uma louca. Poderia ser casado com uma boneca inflável e caminhar com ela na rua.
Será que havia espaço para ser apenas Jack?
E o que era ser o que eu era?
Quando você descobre que o que te salvou é mentira, a sua vida é uma mentira, ela deixa de existir? Se não, por que eu me sinto um erro de um metro e setenta com sessenta quilos?
Eu sou a vida desperdiçada de Jack.
Esperei que os monstros me atacassem. Esperei que alguém me olhasse engraçado, e eu teria desculpa para começar uma briga. Esperei. E nada aconteceu. Nada. E então entro num bar e me sento. O garçom sorri para mim, e ele tem um olho roxo.
— Tyler quer falar com você.
Onde?
Aqui mesmo. Ele responde, e me guia até a parte dos fundos do bar. Vejo garçons se cuspindo nos copos, assoando o nariz na comida, e um até se masturbando num prato de sopa. Sorri. Mas o sarcasmo em forma de contrações musculares em minha boca teve de morrer. O garçom abriu uma porta e me empurrou.
Caí na escada, e todos me olharam.
Aquele porão fedia a ossos quebrados, sangue seco e testosterona vencida. Parecia o meu tipo de lugar.
Tire os sapatos. Os anéis. Pulseiras, colares. Sua camisa. A luta dura o quanto tempo que tiver que durar.
E se for a sua primeira noite, você tem que lutar.
Estava escuro, ou eu apanhei demais e já não conseguia enxergar. Mas eu sabia que estava fazendo certo porque o homem deixava o barulho da dor escapar entre os dentes. Ouvi o meu oponente cair, mas meu corpo já não me obedecia. Era como se tivesse sido programado para combater e todas as outras funções simplesmente tivessem sido excluídas.
E então apareceu Tyler.
Eu quero que você me bata o mais forte que puder.
Sorri.
E o bati. Derrubei-o com o primeiro soco. Fiz com que caísse de joelhos, com a boca sangrando. E então uma joelhada em seu queixo. Posso ouvir seus dentes deixando marcas na língua. Ele cai, e eu fico em cima.
Não vejo mais Tyler.
Vejo o professor de filosofia que me molestou. Vejo o diretor do instituto. Vejo todas as famílias que não me escolheram. Vejo Lupa. Vejo minha mãe. Vejo Tobi e Andrew. Vejo Aimee. Vejo você.
Vejo eu mesmo.
E é por isso que bato nele. Bato até minhas mãos explodirem em sangue. Até seu rosto se tornar purê. Até o ar escapar dos meus pulmões e eu cair ao lado do corpo ensanguentado de Tyler.
E então ele sorri para mim.
— Esse é o fundo do poço.
Fim da parte um
-
Tyler me leva até a sua casa.
Quatro paredes, encanação antiga e em alguns lugares já não há mais teto. Me diz para dormir no sofá, que a sua esposa traria comida. Pergunto por que ele está fazendo isso. Ele dá de ombros. Diz que se vê em mim.
Ou é o contrário?
Conto para ele sobre a minha namorada, e ele sorri.
— O quão real ela era, antes de você saber?
Eu sou o profundo sentimento de vergonha de Jack.
Era real a ponto de amá-la. Real a ponto de ser o único ponto de decência num mundo inteiro de podridão. Real a ponto de ter tirado a minha virgindade. Real a ponto de meus dedos serem íntimos ao relevo de seu corpo.
Real a ponto de fazer falta.
Tyler ri de mim. E, ainda machucado, a sua risada faz com que a dor venha. Ele geme e se contorce, e é a minha vez de rir dele.
Toda semana, nós vamos ao clube da luta. E, a cada dia, mais e mais eram criados. Vemos enfermeiros, motoristas, garçons, faxineiros, soldadores, vendedores e lixeiros. Todos eles com dentes faltando, ou com o rosto inchado e sangrando, ou com as mãos feridas. Todos eles membro, e todos eles nos cumprimentam.
E todos os dias, durmo como uma pedra. E nunca me lembro dela.
Essa refeição é por conta da casa, senhor Jack.
É uma honra tê-los aqui, senhores.
Eu lhes dou uma carona, senhor Tyler.
E então nós criamos um pequeno império na costa leste dos Estados Unidos, em poucos meses. Não porque as pessoas estavam ansiosas para lutar contra mim, ou que Tyler fosse um ótimo líder. Mas porque há algo na natureza humana que clama pelo conflito. A violência é a linguagem mais antiga conhecida pela humanidade. Os socos são letras, e o ceder dos ossos são rimas. Fazemos poesia com nossos corpos.
Costumam dizer que somos pó, mas estão errados.
Nós lutamos contra o fato que somos guerra. Vivemos guerra. E estamos em guerra conosco. Com o universo. Com a sociedade. Com Deus.
E era por isso que o Clube da Luta não era o mundo precisa, mas o que ele merece.
Porque nós estamos doentes. E já que é impossível se curar, lutar se tornou a solução paliativa.
Já não sei quantos meses se passaram, mas ouço notícias dos primeiros clubes em New York, incluindo um dentro do acampamento grego. Agora, vou a um clube todas as noites. E todas as noites luto. Mas já não consigo dormir.
Tyler me diz que sou muito forte.
Que pouco importa os músculos que eu exercitar. Que o problema real era a minha mente. Em sua casa, enquanto homens estão cavando covas do lado de fora, ele toca sua flauta. Engraçado. Quem toca flauta nos dias de ho...
Silêncio.
Escuridão.
E então vejo a mim mesmo, com treze anos. Entrei numa briga com um garoto gordo que tentou roubar um pedaço do meu almoço. Os amigos boçais dele se juntam para me bater. Estou apanhando. Estou me vendo. Mas também estou lá. Caído na grama morta do exterior do instituto, recebendo chutes e socos. Sentindo o cheiro de morte que não só vinha da relva sob mim, mas também do sangue que escorria.
E então olho para cima, através dos golpes recebidos, e vejo o céu. As nuvens dançando. E se tornam estrelas. E as estrelas se tornam nuvens. E então começa a chover e meus olhos se irritam.
Avanço algum tempo. Para quando conheci Aimee. Nunca tinha visto ela antes, mas me contou que havia nascido ali. Naquela cama em que eu dormia. Sorri para ela. Era impossível. Mas ela não me bateu e me chamou de estúpido. Sorriu de volta. E seu sorriso tinha cor, som, textura. Era a minha descoberta de que nem todos eram idiotas autodestrutivos como eu, e nem boçais sem cérebro como todos os outros.
Que havia um feixe de luz num oceano de escuridão.
E então ouço uma risada. Uma risada que não pertencia àquela lembrança. Mas eu a conheço. A conheci muito bem durante os últimos meses. A risada de Tyler.
Patético.
O sorriso de minha namorada se esconde por trás de um mundo inteiro de trevas. E então não estou mais seguro, sentado em minha cama, enrolado nos braços dela. Estou numa sala de aula. Naquela sala de aula. No lugar onde tudo termina. No lugar onde eu morri.
E o meu professor de filosofia estava em cima de mim. Eu já não era mais o semideus de dezesseis anos que se achava durão o bastante para enfrentar o mundo. Eu era o menino de treze anos, abusado por um adulto frustrado. Um menino que chamava por Deus e pela mãe.
Patético.
Estava não só revendo aquele momento, mas revivia-o também. Sentia todas as dores que senti. Todos os antigos pensamentos. Sujo. Será que provoquei aquilo para mim mesmo? Deixei-o se aproximar demais. Deixei-me ser vulnerável demais. Será que, no final, a culpa era minha?
Eu estou em meu próprio sonho, não estou? Então posso estar em outro lugar. Longe daqui. Pense em um momento bom. Mesmo que seja de mentira. Mesmo que nunca tenha acontecido.
Lembre-se de sua primeira noite com Aimee.
— Não — Tyler diz — Fique aqui. Essa é a sua dor. É o seu rabo sendo currado, bem ali. É a sua alma sendo destruída, a sua dignidade sendo apagada.
Lembre-se de sua primeira noite com Aimee.
— Pare com essa merda — Tyler diz — Esse é o maior momento de sua vida, e você está perdendo. Não lide disso da mesma forma que gente que está morrendo faz. Você está vivo.
Lembre-se de sua primeira noite com Aimee.
— Você tem que desistir — Tyler diz — Você deve saber, e não temer, que um dia você irá morrer. E então a sua luta fará sentido.
Você não sabe o quanto isso dói.
Tyler não diz. Ele sorri. Olha diretamente em meus olhos, e sorri para mim. De forma que eu olhe de volta, e veja. Veja a mim mesmo no reflexo de seu olhar.
— Eu não simplesmente estou no seu sonho, eu sou o seu sonho.
E eu entendi. E desisti. Deixei que a dor me corroesse por dentro e por fora. Que a sua grande boca e seus dentes afiados me mordessem até não restar nenhuma carne. E que meus ossos fossem lentamente se transformando em areia e levados pelo vento. Meus órgãos eram comidos pelos vermes, e a minha alma espatifada como vidro jogado ao chão.
Autoajuda não é bom assim.
Autodestruição sim.
E então eu estava perdido no esquecimento, escuro, silencioso e completo. Eu encontrei liberdade. Perder todas as esperanças era liberdade.
Fim da parte dois
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Pouco importa o cuidado que se tenha: você terá a sensação de que perdeu algo, uma sensação entranhada sob sua pele de que você não vivenciou tudo. Há sempre a sensação de um coração prostrado, de que você passou voando pelos momentos em que deveria estar prestando atenção.
E essa a sua vida, acabando um minuto de cada vez.
Tyler está em minha cabeça, o tempo todo. Ele vasculha cada um dos lugares inexplorados. Ele desencava coisas que deveriam ficar escondidas para todo o sempre. E me mostra. E esfrega em minha cara.
Tyler me diz que a última etapa é a morte.
Se você morresse nesse momento, o que sentiria sobre a própria vida?
Eu não sei. Sentiria que nada de bom aconteceu em toda a minha história, é isso que quer ouvir?
Não é bom o bastante.
Sentiria que tudo o que achei que fosse minha salvação terminava ser uma mentira. Até você aparecer.
Não é bom o bastante.
Sentiria raiva por não ter arrebentado esse seu rosto perfeitinho pelo menos mais uma vez.
Não é bom o bastante.
Foda-se.
As estrelas já iluminavam o céu noturno, mas eu saí daquela casa. Saí das garras de Tyler. E ele ria de mim, enquanto eu caminhava para fora. Caminhei por muito tempo, e estava muito longe, mas ainda podia ouvir a sua risada.
Ele gritava toda vez que o silêncio me alcançava. Ele ria toda vez que queria arrebentar alguém que me olhava batendo no ar. Ele dizia o meu nome toda vez que eu fechava os olhos.
Mas fechei os olhos com força, e, como na noite que o conheci, usei minha força para fazê-lo ficar de joelhos.
E ele se calou.
Estava pronto para caminhar para longe. Talvez para o acampamento novamente. Talvez para onde quer que os meus pés me levem.
Mas então ele veio.
Tyler estava em minha frente, e disse que não sairia da minha cabeça.
Soquei ele, e as pessoas pareciam não se importar. Porque enquanto eu quebrava os seus dentes, seus ossos e tirava sangue dele, ali, no meio da calçada, as pessoas caminhavam e pareciam não nos perceber. E mesmo engasgado com sangue, ele ria.
E tudo o que eu queria era parar de ouvir o riso dele.
Até que, finalmente, morreu.
Mas ria ainda, em minha mente. Dizia que nunca iria sair. Que estávamos ligados.
Olhei ao chão, onde estava o seu corpo e, em sua mão, onde não havia nada estava um revólver. Tomei. Apontei para a minha própria cabeça. Atirei.
Silêncio.
Na casa do meu pai há muitas moradas.
Eu olhei para frente, e encontrei Deus. Estava sentado atrás de sua mesa, com uma camiseta azul e uma jaqueta de couro vermelha. Usava óculos escuros, tinha cabelos louros, e olhos de insano. Eu conhecia-o, não? Sim, é claro.
Seu sorriso.
E então, subitamente, eu soube. Tyler era Deus.
— Por quê?
Por que eu queria tanta dor? Por que eu me matei? Por quê?
Você não entendia que cada um de nós é sagrado, um floco de neve único e especial, em sua individualidade única e especial? Não conseguia ver como todos nós somos manifestações do amor?
Deus entendeu tudo errado.
Nós não somos especiais. Também não somos um lixo ou uma merda. Apenas somos. Apenas existimos, e o que acontecer aconteceu.
— Não, as coisas não são assim.
Não se pode ensinar nada a Deus.
E era por isso que eu tombei a sua mesa, pulei de onde estava e o estrangulei com as minhas mãos nuas.
— Aimee existe, e está te esperando — Ele sussurra, mas é tarde demais.
Mantenho as mãos firmes em seu pescoço, e ele deixa de respirar. E fecha os olhos para sempre.
O sorriso desapareceu de seu rosto. E apareceu no meu.
As luzes queimam o meu olhar e a realidade esmaga o meu peito. Minha cabeça dói tanto que já nem sei quando é, ou onde estou.
Se você acorda num tempo diferente, num lugar diferente, você pode acordar uma pessoa diferente?
Hoje acordei. Aimee sussurra ao pé do meu ouvido. Acordei de verdade. Hoje é o primeiro dia da minha vida. E se eu mergulhasse em você até me fogar, e deixar todos os meus sentidos serem preenchidos por você até não restar mais nada? Alguém, em algum canto em toda a criação, nos entenderia?
Criação. Bela palavra.
Aimee talvez existisse. Ou talvez tenha sido minha criação. Mas não importa.
Eram dezesseis horas e trinta minutos em ponto.
Eu toquei a palma de sua mão. Era perfeita. E, por um minuto perfeito, foi o suficiente.
Tyler talvez seja Deus. Mas eu sei. Deus está morto.
E quem o matou fui eu.
Porque não sou homem. E nem Deus. Tampouco semideus.
Sou super. Sou além.
Fim
Recompensas e efeitos a serem avaliados:
Aimee: Jack conversa e mantém um relacionamento sólido com uma garota de existência duvidosa. Para efeitos de narração, a presença da moça pode ser utilizada para auxiliá-lo, o prejudicar ou mesmo só como parte de seus delírios que nada interfiram na narrativa.
Título: Além-Homem.
Aimee: Jack conversa e mantém um relacionamento sólido com uma garota de existência duvidosa. Para efeitos de narração, a presença da moça pode ser utilizada para auxiliá-lo, o prejudicar ou mesmo só como parte de seus delírios que nada interfiram na narrativa.
Título: Além-Homem.