- Você vai me pag... - Um coice o atingiu no nariz e interrompeu sua fala.


Não só esse. Outro, depois outro, e mais outro.


A visão de Castiel era um vermelho sem fim, seus ouvidos zumbiam, e sua boca tinha gosto de moeda velha. O sátiro resmungava mais alguma coisa, mas o indefinido não conseguia reconhecer o que era.


Seus olhos já não conseguiam vislumbrar a falcata de sua mãe. Sua mente já não conseguia formular uma linha de raciocínio lógica.


"De coragem". Gritava uma voz familiar, dentro dele, obviamente uma ilusão causada pela dor imensa e pelo pavor e certeza da morte. "...são feitos de coragem e bravura".

Ele agarrou a pata do sátiro. Era a única coisa que tinha para agarrar, afinal de contas, seus sonhos, sua família e sua vida já haviam escorregado pelos seus dedos, e ele não tinha mais nada.


Num giro, o homem-bode foi lançado ao chão, e xingava em grego. O indefinido tinha dificuldades para respirar, por culpa do sangue que havia dominado suas vias respiratórias com o espancamento, mas rastejou pela grama e conseguiu sentir o metal gelado da falcata tocando seus dedos.


"De que você é feito, então?" questionava a voz que falava em seu interior.

Os relâmpagos rugiram, enquanto o garoto insistia em lutar...

Ele havia apanhado bastante, e percebia isso. Seu corpo agonizava de dor, seu pulmão falhava e ele se via forçado a dar grandes e barulhentas arfadas para conseguir engolir o ar, que inclusive era mais frio do que o considerado saudável para alguém naquelas condições. Seus dentes estavam moles, seus ossos quebrados assim como o nariz.


Havia algo nos seus músculos que gritava. Era a sensatez, obviamente, sussurrando para o indefinido: não se mova, você não consegue lutar. Mas ele agarrou a falcata como se fosse o maior tesouro da sua vida. Seu braço tremia. Parecia algo pesado demais de se erguer, e os músculos falhavam, implorando para que ele parasse.


Castiel não conseguia ouvir os xingamentos de seu adversário, somente um zumbido irritante nos dois ouvidos. Sua visão também não era das melhores, o sangue escorreu por seu rosto e ofuscou seus olhos junto com a chuva. Mas algo dentro dele o compelia a continuar. Não era sua mãe. Não era seu parentesco divino. Não era a coragem, nem a bravura.


Ele era só um cara teimoso. E enquanto tudo lhe sussurrava para que aceitasse a morte, ele gritava como resposta: Hoje não. Seus nervos arderam quando ergueu a falcata imperial, e num giro simples estocou a barriga do seu adversário, que estava caído ao seu lado.


Durante alguns segundos, o som da chuva era o único possível de se escutar. Depois, as gorfadas de sangue do sátiro, que por fim se desfez em poeira dourada deixando somente um broto no chão, ao lado do punho de Zeus. Castiel respirou, como nunca tinha respirado na vida. Enquanto o ar entrava por suas narinas, ele sentia um forte cheiro de ozônio.


Não demorou muito para o resto de sua visão embaçar, e ele mergulhar na escuridão.


Acordou horas depois, na enfermaria, com todo seu corpo enfaixado e dolorido. Forçou-se a ficar de pé, e um dos vários filhos de Apolo que ali estavam correu até ele. - Ei, fique na cama, você está muito mach... - Espantado, o semideus recuou e se pôs de joelho, todos os outros se viraram para Castiel e repetiram a atitude respeitosa, inclusive alguns doentes imobilizados.


O até então indefinido olhou para cima, e viu o símbolo de um raio girando sobre sua cabeça.


- Contemplem - falou um dos semideuses - Castiel Delacour, filho de Zeus, o Deus dos céus.

Reclamado como filho de Zeus