Passara o dia dormindo, como era de costume. Era difícil detalhar onde estava, porque não olhei direito. Senti-me aconchegado, sabendo que estava com meu suéter vermelho por baixo do peitoral de couro. Já era fim de dia e eu devia ter guardado todos meus equipamentos ao lado de beliche e partir para a soneca número 32. Mas algo estava diferente. Alguém me chamava. Não era Hank ou Kyle. A voz era sussurrante e agradava meus ouvidos, como se estivesse no colo da minha mãe. Não hesitei em prosseguir até a floresta, queria entender o que estava acontecendo. Algo precisa ser libertado? pensei, enquanto tocava uma melodia tranquila com a minha flauta. Não sabia se eu era forte o suficiente para fazê-lo. Toda minha vida sempre senti como se estivesse atrás de todos. O menos esforçado no colégio, o preguiçoso nos combates. Cada dia no acampamento me julgava cada vez menos preparado para os combates. Guardei a flauta em meu bolso e fechei os olhos, parando frente à floresta. Minhas pálpebras pesavam como se um prédio estivesse amarrado em meus cílios. - O que tenho que libertar? - Perguntei mentalmente. Não esperava nenhuma resposta. Talvez fosse só mais um delírio meu. Não conseguia dormir, por mais sono que houvesse. A voz precisava de mim e meu próprio corpo se inclinava para isso. Independente da minha vontade, havia aceito essa tarefa confusa. Fitei a paisagem escura mais uma vez e percebi que não era um sonho. Meu TDAH não me permitia raciocinar direito ou focar em alguma teoria específica. Meu corpo decidiu tomar a única decisão viável: Procurar respostas. Peguei minha flauta novamente e caminhei a frente. Caso encontrasse algo, me esconderia por trás de uma árvore, evitando chamar atenção, e estudaria melhor a situação. Na hipótese de se atacado por alguma criatura selvagem ou algum monstro, tomaria distância, munindo-me de saltos e giros para evitar ser sofrer qualquer dano.

Habilidades:

Inventário:

Luzes azuis aparecendo, partindo na direção da floresta. Pisquei os olhos, tentando distinguir se aquilo não era alguma miragem. Não entendia. Encarando-as melhor percebi a forma e a aparência. Pareciam espíritos. Olhei a minha volta, tentando identificar algum filho de Hades ou de Hermes tentando zuar comigo. Não era o caso. Havia uma vasta escuridão para onde partiam. Sabe-se lá para onde. Pensei que não queria acompanhá-las naquele lado. Estudei o que estava à minha volta, encontrando ela. Uma garota no meio da floresta seguia as luzes, no entanto, elas a evitavam. Tive um certo receio. Fora treinado para sacar minha espada nessas horas e tentar uma aproximação assim. Mas não via motivos para isso. Ela não parecia um monstro, ou sequer alguém que poderia me fazer mal. Seria ela a voz. Ou melhor, seria ela quem eu teria que encontrar. Caminhei cada vez mais próximo a ela, tentando observar seus traços melhor, procurando alguma figura familiar.

- O...olá? - Perguntei, com mil perguntas à mente - Eu quero te ajudar - Afirmei, tentando parecer o mais tranquilo possível. Eu sabia que jamais conseguiria passar a mesma calmaria que à voz em minha mente, mas a cada segundo que encarava a situação da menina, me enchia de remorso. Não entendia o porquê de a evitarem, mas sabia que não me sentiria bem se fosse eu no lugar dela.

Adentrei a floresta, tentado a puxar minha flauta e tocar uma melodia para acalmar meus instintos. Meu corpo parecia lançar sinais para que eu desse meia volta imediatamente. Apesar disso, eu não pude. Por mais que fosse filho de Hypnos, sabia que jamais conseguiria dormir bem sabendo que abandonara alguém daquela maneira. Prometi a mim mesmo que iria até o fim. Seria tolice negar que estava com medo, mas meu propósito parecia maior do que meu mal pressentimento. Continuei a seguir as figuras, tentando sem sucesso chamar a atenção da menina. Encarei a porta do outro lado da clareira, menor do que eu, mas possível de se atravessar. Pisquei os dois olhos quando percebi que tinha a atenção da garota. Havia um sorriso estampado em seu rosto. Um gesto vazio. Por mais que o olhasse não me transmitia qualquer felicidade. Não sabia dizer se aquilo era macabro ou preocupante, decidi focar em suas palavras. "Eles te levam para onde você precisa estar..." ecoou em minha mente. Lembrei-me do acampamento e de como me sentia sendo o menos poderoso e o que sempre estava um passo atrás dos demais. Parte de mim queria seguir aqueles espíritos. Parte de mim queria saber para onde ir. Levantei meus olhos para o último dos espíritos, em frente a porta na árvore. Tinha de ceder alguma coisa se quisesse ajudar a voz? Voltei-me para os chalés, onde meus irmãos deviam estar transitando de um sonho para o outro e festejando. Lembrei-me de Harry e de como seria se tivesse que abrir mão de nossa amizade. Lembrei do acampamento e de como me sentia seguro ali. Comecei a me perguntar no que estava me metendo e como isso poderia me afetar.

-Eu... eu... - As palavras pareciam escapar da minha boca. Desejei que não tivesse de abrir mão de nada disso e fosse só uma paranoia sem sentido. Desejei que só tivesse que ajudar alguém a sair da floresta ou resgatar algum animal ferido. Mas no fundo eu sabia que não poderia evitar esses riscos. Nesses anos confinado nas fronteiras mágicas do acampamento eu havia aprendido algumas coisas. Nunca se tratou de aprender a derrotar monstros, e sim sobre arriscar a sua vida para que outros semideuses consigam dormir em paz. Ser um herói. - Ceder sempre por uma razão maior é o que me motiva a continuar. Consigo desistir de certas coisas, pois sei que é um preço que pago por algo que vale o valor do que se deixa de lado-
- Falei dando um passo a frente e devolvendo um sorriso - O que eu puder fazer para ajudar, dormindo ou acordado, vou fazer. -

Senti como se estivesse dentro de um sonho novamente. Flutuando pelo túnel me deparei com figuras tristes. Cada uma era mais precária que a outra. Figuras de perigo atual ou risco iminente. Não entendia o que aquilo significava e quando a garota me perguntou qual eu ajudaria, as coisas não ficaram menos confusas. A única coisa diferente era a aura dela. Era poderosa, talvez mais do que jamais havia presenciado em outros semideuses. Pude sentir o calor só de estar próximo a ela. Decidi focar nas figuras. O animal maltratado, o homem sujo, a criança amedrontada e a inocente na iminência do perigo. Um dilema moral o qual eu nunca tinha me questionado. Talvez por nunca ter feito sentido fazê-lo antes, talvez por não saber a resposta. Respirei fundo. Não conseguia negociar. Não existia um que valesse mais do que o outro. Mesmo assim, dar uma resposta para aquela pergunta era difícil.

- Escolher somente um deles é assumir a culpa do que ocorre com os demais. Não conheço nenhum deles, mas sei que ninguém deveria passar pelo que eles estão ou vão passar. Quero ajudar todos ao mesmo tempo, mas sou só um... - Falei, fechando os olhos e passando a mão pelo meu braço, tentando me reconfortar. Tentava achar uma resposta. Mas como? "Sou só um..." repeti mentalmente. - Eu posso ajudar a mulher a fugir dos rapazes, não é? Se fosse o caso, eu iria fazer isso e ajudar o cachorro a escapar daquela prisão. Depois sairia dali e iria ajudar o rapaz sujo e curar seus ferimentos. E por aí vai, até conseguir ajudar todos eles. - Franzi os lábios, temendo que talvez ela achasse que eu estava falando besteira. Mesmo assim, não me contive em terminar de mostrar a ela o que pensava - Eu sou só um e só posso fazer uma coisa de cada vez. Mas não significa que eu tenha que abandonar os demais, porque eu não vou.

A garota dá um sorrisinho, como se achando graça de toda a esperança e expectativa que o garoto havia criado com seu dilema e se aproxima dele, ela faz um gesto com as mãos e as quatro cenas ficam de frente para os dois, ela põe as mãos em seus ombros enquanto fala calmamente.

- Assim como você disse, você é só um meu bem e todas essas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo, e você ainda está aqui enquanto elas acontecem.

Ao mesmo tempo em que a garota falava isso as cenas continuavam a acontecer ao redor do garoto, uma espécie de chicote aparece na cena da criança e ela agarra as costas em um instinto protetor, o animal agora sangrava lentamente de vários lugares diferentes e uma substância estava sendo misturada a sua água, o homem cai contra a parede e aperta o braço que não parava de sangrar e os homens cercam a mulher, a colocando contra a parede e mostrando várias navalhas.

- A vida é difícil, não é?

A situação parecia só piorar. Por mais que eu dissesse que faria de tudo para ajudá-las, lá estava eu, pairando no túnel, observando tudo acontecer. Senti um aperto no peito, como se meu coração se enchesse de angústia.
- Não é justo - Concordei com ela. Deixei todas aquelas imagens entrarem na minha mente, como se fosse um banho de água fria. Sabia que outras coisas terríveis provavelmente estavam acontecendo naquele momento além das que o túnel me revelava. Se fosse para reproduzir tudo, passaríamos a vida inteira ali assistindo. Não me sentia bem com isso. Como se sentir?

- Não posso só atravessar a imagem e chegar lá? - Perguntei, virando os olhos para a menina por alguns instantes. Não entendia o porquê dela me mostrar aquilo. Queria discutir e pedir a ela para me deixar ajudar e me mostrar um jeito de me enviar para aqueles lugares, mas seria uma viagem infinita. Sempre haveriam locais para ir e sempre situações semelhantes se repetiriam. Respirei fundo e voltei-me para as cenas novamente. Se eu fosse mais forte como Tyler ou algum dos conselheiros de chalé, poderia fazê-los dormir ou viajar até lá de algum modo. Mas eu não podia.

- Não podemos fazer nada pra mudar como a vida é. Eu sinto que coisas assim vão continuar acontecendo e pessoas e seres inocentes vão continuar sofrendo. - Falei com a voz séria, talvez entendendo o porquê do sorriso vazio da garota anteriormente. - Temos que lidar com isso, cedo ou tarde. - Disse, chegando mais perto das imagens e ainda buscando o significado por trás daquilo

- Me perguntou qual eu escolheria, né? Mesmo assim, eu acho que não importa qual deles eu fosse ajudar no fim das contas. Mas eu quero escolher um. Salvar um, qualquer um, pra mim vale a pena. -