Precisava admitir que a quantidade de comida que eu havia colocado pra dentro naquela manhã havia sido um pouco demais, mas não é como se eu não costumasse usar todas as calorias ingeridas todos os dias, então era quase que uma segunda feira pra mim. A gritaria das crianças na entrada da escola sempre me foi extremamente desconfortável, principalmente pela minha peculiar característica de não conseguir focar em nada quando existiam muitos estímulos em volta. Garota correndo e gritando para as amigas. Meninos jogando bola um para o outro. Skatista realizando uma manobra arriscada perto de outras garotas que, em resposta, gritaram em susto. Minha melhor amiga, Carol, estalando os dedos na frente dos meus olhos.
— Emmy? — Um dos muitos apelidos que ela havia me dado, referenciando o “M” de Meyers.
— Você está especialmente desfocada, hoje.— É, muitas coisas acontecendo. Não sei como conseguem ter tanta energia a essa hora. — Resmunguei, puxando um pouco mais a alça da mochila.
— Vem, vamos juntar nossas coisas. Não deve ter muita gente no corredor.Enquanto nos dirigíamos para lá Carol ia me contando sobre o seriado que estava assistindo sobre algumas aventuras na idade média com fantasia e um homem lindo de cabelos brancos. Eu apenas a ouvia e prestava atenção no ambiente. Não conseguia relaxar direito quando ela andava comigo desde o incidente no shopping. Queria protegê-la.
— ... E aí ele fez um movimento com a mão e BUM! Apareceu um campo de força! — Ela se jogou nos armários ao lado do que eu, agora, tentava abrir com minha senha.
E então, para a surpresa da Carol, Declan, um dos garotos do time de futebol, se escorou do outro lado de maneira descolada. Apenas lancei um olhar de canto para ele, sorrindo de leve. As meninas que passavam lançavam olhares para ele e para mim, por cima do ombro, e depois para Carol, tentando entender quem era o alvo da vez.
— Ruiva, Loura. — Nos cumprimentou e eu apenas sorri, soltando o ar pelo nariz.
— Declan, você está assistindo a série do Bruxeiro?! — Carol estava realmente animada com esse negócio.
— Puxa, eu queria... mas eu tava precisando estudar pra, pelo menos, ter um C+, senão o capitão me deixa suspenso do time até minhas notas melhorare. — Acabei soltando uma risada debochada, porém, amigável.
— Você precisa avisar o capitão que o seu cérebro de passarinho não consegue guardar muita coisa. — Ele fez uma careta idiota e riu em seguida.
— Pois fique você sabendo que eu li, em algum lugar, que o cérebro é um músculo! E, olha só, isso é um músculo... — Ele apontou para o próprio bíceps.
— E isso, e isso, isso e isso. — Cutucou, em seguida, o outro bíceps, os peitorais e a barriga, exibindo um 6 pack. Fiz uma expressão de "Not Bad"
— Logo... eu posso ser mais inteligente que você.— U-au! — Carol exclamou ao observar o corpo do atleta. Larguei os livros no armário e levantei a manga da blusa, exibindo o meu bíceps. Menor do que o do atleta, porém, tão definido quanto.
— Vai nessa, Declan. — Rimos todos e saímos caminhando pelo corredor, os três, juntos.
— Vocês tão ligadas que esse mesmo imbecil que me fez estudar pra não sair do time tem colocado muito peso na gente, né?Carol e eu concordamos, mas não demos muita importância. Carol em si tinha um atestado para dispensa. Alguma coisa a ver com seu problema de visão. E eu nunca tive problemas para fazer exercícios físicos, então, eu simplesmente faria o que o "Imbecil" proporia.
— Ele parece um animal! Até parece aqueles atletas que levantam pedras, ou arremessam martelo.— Você tá exagerando. Para de agir como um "pussy".------------------------------------------------------------------
Eu nunca admitiria que eu havia pagado pela minha língua, mas aquele tal Sr. Worg realmente parecia um monstro. E com tudo o que já havia passado pela minha vida eu não me impressionaria se ele realmente fosse uma coisa não humana. Eu sabia que alienígenas, às vezes, roubavam corpos de pessoas e substituíam por atrocidades, ou simplesmente implantavam vírus nas pessoas para que elas agissem de forma estranha. Não dizia nada para Carol, Declan ou minha mãe, porque eu sabia que poderiam me achar uma doida e me internar em uma clínica psiquiátrica, então carregava aquele fardo sozinha.
— Eu não disse...? — Declan me disse depois de darmos umas 12 voltas e pararmos para beber água.
— E ainda fica encarando como se fosse um maníaco pedo.— Sim, mó estranho... — Suspirou, jogou a garrafa de água no lixo e voltou a correr. Observei o Sr. Worg por mais alguns segundos ele me mostrou presas assustadoras... ok! Hora de surtar discretamente.
Meu coração palpitou pesado dentro do meu peito e eu segui caminhando apressada até Carol, que estudava alguma coisa na arquibancada. Ela só tirou os olhos do seu livro quando toquei seu pé. Ela parecia confusa.
— O que foi? — Fazia uma careta por causa do sol.
— Eu preciso que você, discretamente, pegue suas coisas e vai embora daqui... Avisa a diretora que o Sr. Worg está assediando algumas meninas.— Ele tá?! — Antes dela encarar o Sr. Worg, segurei seu queixo magro e fiz ela manter os olhos em mim.
— É a mesma coisa do Shopping, de anos atrás... lembra? — Seus olhinhos verdes marejaram e ela olhou para minha mão esquerda, onde faltava um dedo.
— Tá bem... vou pedir para chamarem a polícia.Apenas fiz um "Obrigada" com os lábios, e saí dali, acompanhando Declan em sua segunda volta. Ele me cumprimentou com um soquinho no braço e, quando já estávamos do outro lado do campo, a pelo menos uns 30 metros do professor e abafados por todas as conversas dos alunos.
— Esse professor... não é quem diz ser. — Declan me olhou sobressaltado. Eu o lancei um olhar sério.
— Por favor, seja discreto. — Ele maneou a cabeça em positivo e eu expliquei para ele como havia perdido o dedo, alguns anos atrás, comido por uma pessoa estranha. Expliquei que o Sr. Worg, provavelmente, era um deles.
— Isso é teoria da conspiração, Ruiva! — Ele disse, um pouco incrédulo.
— Você não pode esperar que eu acredite que ele é um bicho de outro planeta, como o cara maluco que comeu seu dedo...— Olha, não to pedindo que acredite em mim... mas eu quero que você veja com seus amigos do time de futebol se podem ficar de olho nesse cara... se ele aprontar alguma coisa estranha... desçam o cacete nele, ok? Ou só... sei lá, avisem a direção e a polícia.— Mas... com base em quê, Tamara? — Ele se mantinha relutante.
— A única coisa que ele fez de... nem é errado... mas ele é severo com os exercícios.— Só fica de olho em mim, ok? Vou desmascarar esse merda.Com isto dito, segui fazendo a aula, mantendo um olho atento no professor e mantendo o papel da aluna que não gosta da quantidade de exercícios que o professor manda fazer, sempre com um pé atrás. Eu sabia que era questão de tempo até que ele viesse me abordar, ainda mais depois de ter me mostrado aquelas presas.