O vento deslizava sobre minhas asas, tentando cortar as sombras que elas formavam, mas apenas tremulando tudo enquanto eu costurava por entre as árvores em uma subida veloz para além da Colina Meio Sangue. O luar erguia-se majestoso, banhando o céu com sua luz fúnebre. Aos poucos o vento vai mudando de intensidade até fazer meus longos cabelos negros chicotearem meu corpo em várias direções, queimando a pele insensível á baixa temperatura. E finalmente as sombras recolheram-se junto as costas quando aterrissei ao chão no topo da Colina, mirando de queixo erguido todo o emaranhado de lugares conjuntos que era aquele Acampamento. – Há quanto tempo eu não piso aqui? – Ponderei comigo mesma antes de direcionar um passo á frente, seguido de outros passos que me impulsionavam até a grande área central do camp. Estava escuro e eu não me importava com as horas, qualquer porcaria que aparecesse durante a noite só iria servir como distração para o meu mau humor crônico. Crispei o lábio inferior ao pensar em meu pai, sabe-se lá o que o Senhor da Morte estaria fazendo nesse momento. Ceifando almas, talvez? Olhando o tempo? Pensando na morte da bezerra? Ok, chega. Eu acabar sendo castigada ou coisa pior, mas depois do que vinha fazendo ultimamente, um castigo realmente seria de bom tom, e eu estava abismada que meu querido pai não tivesse saído das profundezas do Submundo para me dar uma penitência ainda, talvez ele estivesse esperando que eu aprontasse algo realmente sério, porque aí quando fosse me castigar, eu pagaria com a vida. Nada com o que eu não quisesse, claro. Meu passo era calmo, como se nada no mundo pudesse abalar meus devaneios e especulações, mas ao ouvir o grito da Harpia, apenas ergui o rosto em direção ao céu e esbocei aquele sorriso psicopata que me era tão característico. – Lanchinho, Baguera... – Sussurrei para o Felino de seis patas e colossal que me acompanhava por dentro das sombras, este apenas saltou de modo sublime, suas patas e presas enterrando-se em uma das Harpias que guinchou de dor, as outras foram afugentadas pela bestialidade da Pantera Infernal, e também por uma chuva de raios que alguém liberou, o que despertou minha curiosidade. Pelo visto eu não era a única com hábitos noturnos ali. Um garoto com longos cabelos loiros se apresentou, como se eu precisasse saber quem ele era. – Não tô nem aí pra qual seja o seu nome. – Respondi ácida como sempre o era, não queria soar grossa, mas o fazia pelo simples ato de existir. – E essa recepção não foi nada calorosa, considerando que eu acabei de chegar. Agora vê se vai pro inferno e sai do meu caminho. Eu não tenho tempo a perder com você. – Meu olhar faiscou ameaçador e a destra já rodopiava o pingente preso a ela, como se a qualquer momento algo fosse surgir dali. Enquanto isso, Baguera desaparecia dentro de uma sombra e rumava para onde eu o havia instruído horas antes. Não que eu contasse com o fato de ter minha presença notada ali, mas por via das dúvidas, o Felino já estava bem treinado e informado sobre o que deveria fazer. Minha expressão suavizou e eu forcei um sorriso mais amigável para os demais. – Perdão a hostilidade, hoje foi um dia difícil. E talvez seja a fome. – Ponderei dando de ombros e guardando o pingente junto ao colar em meu pescoço.