Tudo tinha começado civilizadamente. Racionalmente, como deveria ser. Estávamos ali, afinal, para a apresentação dos interessados em concorrer pelo cargo de Pretor. Dos que acreditavam estar à altura. Cabia, afinal, a Nova Roma decidir quem seria seu novo Líder. Decidir quem deveria substituir Saito.

Não era para ser um ato de guerra. Apenas uma maldita Apresentação. Mas os filhos de uma puta custam a entender. E o pior de tudo foi perceber que a ideia insana não partiu do filho de Marte.

Levanto-me de meu lugar. Eu odiava burocracia. Eu odiava política. Mas meu amor era maior que meu ódio, e meu orgulho maior do que ambos. Não queria me enfiar naquele meio de crianças birrentas sedentas por propósito. Mas não cabia a mim assistir vergonha. Adianto-me diante da mesa redonda, assumindo meu lugar por direito naquele íntimo ciclo de líderes.

-- Envergonha a mim ver que uma apresentação pacífica para decidir o destino de Roma se transforma facilmente em um ato de guerra quando pessoas despreparadas se encontram em cargos de poder -- Digo, encarando a todos e a nenhum com meus olhos frios, detendo-me por mais tempo em Tobikaze e contenho uma careta de desgosto ao ver a katana embainhada em sua cintura -- Vocês estão no lugar errado. O lugar para batalhas é lá fora -- Aponto para a fronteira do Acampamento. Mara o mundo mortal -- FORA das Fronteiras de Roma. Aqui somos líderes de nosso povo, de nossa Geração, e a razão será superior à Espada. Não era meu desejo envolver-me nesta discussão infantil. Mas caso insistam em decidir isto em uma arena, Clamarei meu lugar de direito e pessoalmente impedirei que filhotes guiem a matilha. Se não decidirmos no Voto, espero que se certifiquem que sua força seja maior que sua arrogância, ou estejam prontos para a espada.

Puxo minha espada gélida ainda embainhada da cintura e pouso-a  no chão, apoiando minha mão sobre o punho. Não era um ato de agressão. Não era uma afronta. Era uma apresentação. de Mim, e de minha espada. Afinal, nós lutaríamos juntos se preciso fosse. Eu não me considerava o semideus mais forte do Acampamento. Nem um dos mais fortes. Mas olhando para todos ali, eu não me imaginava perdendo para ninguém. E esperava que fossem sábios o suficiente para fazer o mesmo.

Não é brincadeira não. Se a galera for decidir palhaçada de arena em um bagulho democrático, vão prontos pra perder membro. Se é pra interpretar, vamo interpretar e se acham que batem no jack com esses champs ai, tentem a sorte.

Eu já não sabia quem morava no meu espelho.

Eu certamente não tinha rugas, e nem fios grisalhos em minha barba. Meu olho não era opaco, e minha boca não tinha essa curva para baixo que me fazia parecer mal humorado o tempo todo. Eles se lembram de mim. Eu sei que sim. Todo mundo se lembra. Se lembram do garoto que tinha ficado por tanto tempo no acampamento grego, e chegou ao seu lar, Roma, e tomou como seu aquilo que pensou que lhe pertencia.

Pensei que o mundo inteiro me pertencia.

E agora aquele era o meu pagamento. Um corpo cansado. Uma mente irritada. Um espírito esmagado. Vestido de púrpura, estava escutando todos aquelas propostas em uma condição que, em tempos antigos, era difícil me encontrar: silêncio. Encarar tudo aquilo fez com que a minha boca ganhasse vida, entretanto. Não ao emitir som, mas ao apontar para cima, num sorriso que poderia expressar qualquer coisa que não felicidade. Escárnio, deboche, sarcasmo. Eram coisas que não me eram assim tão familiares.

Mas um homem muda.

Levantei-me, finalmente. Eu bem sabia o quanto a minha presença, nos dias de hoje, era marcante. Não apenas pelo físico de um bom semideus veterano, ou tampouco como neto de Júpiter, rei dos deuses, ou mesmo sendo filho do Sol. Não. Além de todas essas coisas, eu era o líder. Vestir o púrpura em Roma não era apenas mandar. Era carregar todos os pesos que a capa lhe trazia. E aquilo machucava os ombros, mas também o fazia maior.

E, naquele lugar, ouvindo os centuriões falar, eu me sentia gigante.

- Vocês me envergonham. Todos vocês. Sabe o que nós somos? O que todos nós somos? Bastardos. Somos crianças indesejadas. Inconvenientes. O mundo inteiro nos quer mortos, inclusive a maioria dos deuses. Talvez eu e Saito tenhamos tido nossas diferenças, mas o que ele e eu fizemos, em conjunto, foi manter cada um de vocês vivos. Cada um dos que reside dentro dos limites desse acampamento. Vocês querem resolver isso num campo de batalha, acham que são melhores que o outro ao testarem-se em combate. Idiotas. - Com o arco que me acompanhou por toda a minha vida, bato ao chão. Eu havia nomeado-o de "Pacificador" por um motivo. - A única coisa que torna qualquer um melhor é ser gentil. E, nesse momento, nenhum de vocês é. Nesse momento, nenhum de vocês receberia meu voto. Nenhum de vocês merece liderar.

Minha cabeça ia de um lado para o outro, em desaprovação.

- A democracia é o poder do povo. E se o povo escolhe os piores para que os liderem, é isso que eles merecem.

Jogo minha capa de pretor no chão, antes de sair.

Livre.

Finalmente.