Empoleirado na janela como um corvo, eu aproveitava o vento frio e o som da chuva. A tempestade seguia numa fúria violenta e indistinta, fervendo no horizonte e acima de nós. O que era muito, muito raro... Geralmente, nós mal sentíamos o cheiro de chuva, quem dirás tempestade. Então, eu tinha de aproveitar.

Mas aquele dia guardava mais estranhezas do que uma tempestade. A visita de Hades foi a cereja do bolo, mergulhando nosso chalé em um frio ainda maior do que lá fora. Virei-me para dentro, ainda encolhido e com as penas coladas ao corpo. Ouvi atentamente o aviso, a mensagem, a missão. Que... que diabos. Será que Zeus, o deus dos deuses, não conseguia guardar o bem mais precioso que tinha? Puta merda. Mas isso seria num todo deveras interessante para ficar de fora.

Porém, vejo-me olhando de olhinhos entreabertos para Hades. Quer dizer... Eu já o tinha encontrado, e sabia que deuses apareciam em diferentes formas. Ainda assim, minha mente inevitavelmente levou-me a questionar se aquele era mesmo Hades e sendo ou não, por que não nos pediu para entregar o raio diretamente a Zeus, como foi feito no passado? Eu conhecia a história. Uma das ultimas Grandes Profecias, sim... Havia passado longos dias na Casa Grande, lendo aqueles registros empoeirados. Achava tudo deveras interessante, exceto a parte que todos parecem em perigo de morte 90% do tempo, já que não só os monstros, mas também os próprios deuses se tornam um perigo mortal em situações como esta.

Fico ali, empoleirado, observando e escutando. Legit seria claramente o líder desta missão. E como quase sempre... Eu seria sua segunda sombra, seguindo-o por onde ele decidisse ir. Então apenas espero sua resposta e aguardo para saber quais seus(nossos) próximos passos.

Expulso das sombras como um filhote jogado do ninho, caio de bunda e sem dignidade no chão. Ergo os olhos para encarar meu pai, agora sem nenhuma dúvida de que era ele mesmo pois o seu humor continuava tão terrível quanto das outras vezes que o encontrei. Fecho a cara e levanto-me tentando não corar. Inferno. Eu nunca sabia como agir perto dele. Não que tivéssemos contrato muitas vezes, claro. Eu tinha visto Hades da ultima vez quando apareceu em uma visão para meu irmão e eu e, antes disso... Bom... Quando morri.

Apesar de ser grato a ele por devolver minha vida e tudo o mais, eu estava começando a ficar irritado com essa atitude pirracenta. Que, percebo um tanto quando assustado, era igualzinha à minha. Pra que este teatro todo, se ele sabia meu nome e também que eu era mudo? Se eu pudesse falar, já teria dito umas tantas coisas, certamente. Solto um suspiro exasperação.

- Idiota - penso incisivamente, piscando preguiçosamente e levantando-me para bater a poeira da bunda - qual é a sua, hein?

Olho pra Hades tentando disfarçar meus pensamentos nada respeitosos com uma cara inocente. Mas alguma coisa coçou minha cabeça... Ou melhor meus ouvidos. Ou seria minha garganta? O que... O que tinha sido? Mudo o peso de uma perna para a outra, desconfortável e confuso, e olho para Legit com uma expressão mista de "Dá pra acreditar nesse cara?" e "Oi, me dá uma ajuda?"

Permaneço um tanto quanto abismado encarando Hades. Ele tinha acabado de ler minha mente, correto? Deuses... Inconvenientes ao extremo. Me encaminho para pegar a minha moeda, afinal, eu não pretendia deixar aquela oportunidade passar. No fundo, também via isso como uma forma de retribuir o que ele fizera por mim um dia. Se eu pudesse pagar esta dívida, então não precisaria me sentir mais estranho quando estivesse com ele. Poderia só odiar ele como todo o resto.

Cato a moeda e analiso ela, aproximando-a dos olhos pra tentar descobrir do que era feita. Depois guardo-a na minha sombra, o lugar mais seguro que podia encontrar. Então vou até Legit e encaro-o enquanto pergunto a ele com o olhar.

- E aí?

De novo, ainda me sentia incomodado, como se Hades ainda estivesse lendo meus pensamentos. Olho de soslaio para a minha adorável figura paterna, e volto-me de novo para Legit, puxando da sombra um cigarro e pendurando-o na boca, pronto para caminhar para fora do chalé. Teria de passar no refeitório para pegar comida e mantimentos, e talvez invadir a cozinha das harpias pra roubar carnes salgadas para conserva, que poderia durar algumas semanas em missão.

Olhando para a porta, vi Jason passar e fiquei um tanto surpreso dele não se comunicar conosco. Será que Legit iria chamá-lo? O primeiro pensamento que teríamos como corvus seria ir em grupo. Mas também não acharia estranho se ele preferisse agir sozinho. Às vezes, eu também preferia. Mas não me tinha em estima suficiente para partir só em uma missão desta magnitude.

Então aguardo Legit pra segui-lo para onde for. Eu estava pronto para partir, afinal, tudo que precisava já estava comigo. Agora, uma pergunta me vinha à mente. Onde ficava a ilha de Creta... E como chegaríamos lá?

Invoco um corvo e mando ele ir voando às forjas, perguntar a Roran se ele poderia pesquisar em seu computador aquela localidade, como tinha feito para mim em uma missão anterior. Acreditava que ele poderia encontrar até a entrada para o submundo, se pesquisasse. Assim enquanto acompanho Legit eu busco o ferreiro com o corvo em paralelo.

Fico frustrado com o fato das minhas palavras não terem tido o efeito que esperava em meus irmãos e chateado com o fato de ninguém aparentemente estar pensando em trabalhar em equipe, pelo menos não da forma ideal. Mesmo chateado, não me deixo abalar e desistir dessa missão, vejo que Jason já havia pego uma das moedas deixadas pelo meu pai e já vou até o lugar que Hades às deixou e pego a penúltima. Observo a moeda com atenção, olho para Shouto com um olhar de "Vai me ajudar nessa?" e já me arrumo para sair do Chalé, coloco minha blusa, meus anéis e colares me dirijo até a saída. Assim que ele diz "E aí", olho para ele com um olhar de estranhamento e digo:

— É muito estranho te ouvir falando.

Ao Sair do meu chalé, lembro da espada que havia encomendado e vou até as forjas para ver se ele estava lá, se não estiver lá, o procuro no refeitório e em seu chalé para pegar minha espada. Enquanto ando pelo acampamento, penso que aquela arma será ideal para essa missão, não que fosse uma fração do raio mestre mas já é melhor do que ter apenas duas adagas, e bota melhor nisso. Tinha gastado um bom dinheiro nisso e mesmo que não fosse usar muito, com certeza eu quero ver a obra prima que ele me deu. Assim que o encontrar, pergunto sobre a espada, se ele me der ela, eu o agradeço e me encontro com o meu irmão para ver se ele já está pronto e como vamos fazer para ir até a ilha de Creta.

Se eu não encontrar o Roran, vou até o chalé de Hefesto e pergunto para um de seus irmãos sobre ele, se for possível encontra-lo de maneira fácil, eu tento achar ele, se não for, apenas solto um suspiro e vou até o Shouto, pronto para sair do acampamento.

Caso esteja de noite, o digo que posso chamar dois cães infernais para nos levar até lá, se estiver de dia, me vejo sem opções e decido dar a ele o poder da escolha.