Era uma noite gelada. A lua se escondia atrás das nuvens, que deixavam passar apenas um fraco e pálido brilho fantasma. As florestas ao redor do Acampamento Meio-Sangue emitiam barulhos que assustavam aos próprios Deuses. O mar enegrecido pelo reflexo do manto de Nyx parecia uma nascente do próprio rio estige. A noite nunca antes fora tão densa, e nem seu brilho fora tão sem sentido. Era como encarar o próprio vazio, e enxergar sua própria existência desaparecer. E sob o som da flauta de um sátiro na floresta, o céu chorou.
A chuva despencou com tanta força que os lobos deixaram de uivar para a lua, e corriam em busca de um abrigo. Das montanhas uma água marrom e suja escorria, e a purificação melancólica fez daquela a noite mais sombria do Acampamento Meio-sangue. Nenhuma voz, mesmo acordada se ergueu, nenhuma harpia gritou, e nenhum casco ecoou. Até que os filhos de Hades sentiram, mais uma vez o tártaro havia se aberto.
Nyash
No chalé de Hefesto, o calor das forjas era denso, o ar quente misturado com a fuligem parecia impregnar as narinas de qualquer um lá dentro. Vestindo apenas uma camiseta velha, Nyash martelava completando seus materiais, a roupa suada, a pele enegrecida devido ao contato com a luz alaranjada emitida pelas brasas. Vários materiais, martelos, serras, peças quebradas e engrenagens perdidas, se mostravam presentes pelas forjas. O garoto era o único trabalhando pela noite. Mas depois de fazer o que era necessário, ele tirou as luvas e subiu com o corpo sujo as escadas que levavam ao chalé mecanizado de Hefesto.
Seu corpo quase entrou em colapso, o frio do lado de fora fez seus músculos retraírem e a garganta arder. E os ouvidos acostumados com o som crepitante do fogo, e o barulho metálico do martelo de forja fez ele sentir uma leve dor de cabeça com a rajada de chuvas. O garoto via que tudo que ele construía ainda era incompleto, ele precisava de algo mais poderoso, ele sabia que precisava expandir sua alma à algo além do que ele era... O garoto sabia, sabia e sentia que sua vida precisava de magia. Mas durante essa noite, a lua não aparecia para ele. Talvez achasse-o indigno. Talvez acreditasse que o filho de Hefesto era incapaz de manusear um cajado sem quebra-lo. Ou talvez, simplesmente não gostava dele. Largando seus devaneios, Nyash viu um vulto negro e sombrio, banhado pela luz de um relâmpago seguido de um trovão. Era Quíron, o centauro na porta do chalé.
- Pegue tudo que você tem e encontre-se comigo na Casa Branca. - Outro relâmpago estourou. - Não se assuste com o choro dos Pégasos.
Pandolfo
Durante a fria noite chuvosa, o filho de Apolo sentia-se perdido. Havia sonhado, um pesadelo que continha apenas alguns flashes de imagens. Ele via as camisetas do Acampamento Romano e Grego manchadas de sangue. Pessoas com a garganta cortada e jogadas ao mar para serem perdidas, semideuses que tiveram um acidente forjado durante uma luta. Eram imagens sombrias e sangrentas, até finalmente a imagem de um corvo em um poleiro se mostrar. Em sua boca havia um olho, um olho mastigado e engolido. Uma voz seca e indefinida sussurrou no sonho.
“Grego. Romano. Nenhum dos Dois... somos o que existe entre a guerra e os dois acampamentos, a paz vestida de negro. Nós somos Corvos”.
Pandolfo acordou ofegante, em seu bolso, havia surgido um brasão. Uma peça metálica com um corvo desenhado. Haviam números atrás do brasão, que podiam ser vistas apenas pela visão perfeita do filho de Apolo. Era código Morse. Tão pequeno que mais nenhuma outra pessoa além de um filho do Deus do sol poderia ver.
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Talvez Quíron pudesse traduzir isso pra ele. Ou talvez, alguém de sua confiança e inteligente como um filho de Atena. Ou ele simplesmente poderia deitar na cama e voltar a dormir, ignorando aquilo.