Eu não tive família.
Eu não tenho nome.
Eu não tenho casa.

Fui criada pelos lobos. Não conheço ninguém, pois desde que me entendo por gente vivo entre eles. Os primeiros passos, as primeiras palavras não foram vistos ou ouvidas por ninguém, além de Lupa. Ela me ensinara a me comportar, a sobreviver. Me levava à cidade para observar os humanos de longe e aprender a falar e a andar como eles. Não sei nada sobre minha família, quem são meus pais, se é que os tive, mas a Mãe Loba sempre disse que meu sangue era real e sagrado, embora nunca houvesse me explicado o que isso significava.
Os dias eram terríveis. O calor do verão e a luz do sol me agrediam sobremaneira e eu só conseguia sair da toca à noite. Ainda assim, o céu estrelado me dava agonia, por isso só gostava das noites de lua cheia, quando o maior brilho era o dela. A Lua, por sinal, era minha amiga. Eu conversava com ela nas noites em que estava cheia, chorava quando começava a minguar e sorria ao vê-la crescendo. Ela olhava por mim também, pois minhas caças eram mais produtivas nos período em que ela crescia e eu me sentia mais forte e menos triste.
Crescer sozinha me transformou numa garota ingênua, medrosa e antissocial, cujo o único e desesperado desejo é encontrar algum familiar para cobrir o buraco que sentia no peito. Algo me dizia que um dia encontraria respostas, porém teria que sair do ninho para que isso acontecesse.
Os anos passaram rápidos e logo descobri que possuía sangue divino. Foi a Lua quem me contou. Em uma das noites que eu chorava por estar sozinha e pedia ajuda à sua luz, ela me trouxe uma visão: Eu vi uma casa em chamas, duas crianças correndo enquanto uma voz feminina e fria dizia: “Eles vão pagar o preço por você ter escapado de mim”. Não sabia quem eram aquelas pessoas, mas sentia ódio da dona daquela voz e saudade de pessoas que nunca conheci, como se um pedaço da minha história estivesse naquelas cenas, mas alguma peça ainda estivesse faltando.
Depois desse dia, pedi à Mãe para que me ensinasse sobre os deuses e então ela me contou sobre Roma, sobre o Império e as Legiões que o defenderam ao longo dos milênios. Sentia arrepios em minha pele a cada frase da história e mal pude conter a alegria gerada pela esperança que transbordava do meu peito ao saber que eu tinha uma casa, não muito longe dali. Um acampamento, com de pessoas como eu que me ajudariam a revelar o que houve comigo no passado. Haveria dor e sofrimento, ela advertira, mas as alegrias superariam qualquer tristeza.
Quando completei 13 anos, na primeira noite de lua cheia, Lupa me indicou o caminho a seguir e me pediu para nunca olhar para trás. Confiei no meu instinto e viajei sob a luz da Lua, sempre escolhendo o caminho certo nas encruzilhadas, até que encontrei um túnel com dois soldados na porta. Naquele momento, meu coração pulou de alegria e expectativa, porém a recepção não foi nada parecida com o que eu esperava. Aparentemente chegavam muitos adolescentes como eu todos os dias e eles não me deram atenção. Somente ganhei uma espada horrível de ouro e uma cama num alojamento chamado de quarta coorte, onde passei os dias esperando alguma novidade que nunca chegava.