Ataque! O que está caído não pode te ferir!
Arizona, Phoenix.
2017
O tempo para uma criança passa muito mais devagar do que para um adulto, então, na época, lembro que as ataduras na minha mão esquerda ficaram ali por uma eternidade! Lembro também que coçavam muito por conta do calor e que precisavam ser trocadas regularmente para manter a higiene. Já minha mãe sempre disse que me curei muito rápido. Um ferimento que leva de 8 meses a um ano para um adulto se recuperar por completo, em mim, levou apenas 3 meses e meio. Após um trimestre eu já estava conseguindo mover a mão normalmente, apesar de me faltar o dedo anelar. E na minha opinião ele não me faria falta.
— É assustador, não é, doutor?! — Disse Dana, minha mãe, enquanto segurava minha mão esquerda e posicionava o pequeno toco do dedo faltante próximo dos olhos.
— Ela já está curada...— Admito que não lembro de já ter visto alguém se curar tão rápido. — O homem tirou suas luvas de silicone e jogou num lixo.
— Mas crianças, geralmente, têm o metabolismo mais acelerado. Isso pode ter ajudado no processo.— E no fato de ela comer horrores e ainda ser magra? — Olhei para minha mãe, com uma expressão indignada.
— Mãe! — Soprei o ar para cima, empurrando alguns fios que insistiam em cair na frente do meu rosto.
— Ela parece muito saudável para mim. Tudo o que está consumindo está sendo usado. Não tem nada sendo guardado pra depois.— Tá! Tá! Mas e aí?! — Os interrompi.
— Já posso voltar a fazer atividades físicas?Pelo que pareceu uma eternidade o Doutor Conner me avaliou e ponderou. Troquei rápidos olhares com minha mãe que tentava conter um sorrisinho, como se estivesse rufando os tambores em um suspense que me deixava um pouco irritada.
— Pode, mas por favor, pega leve no início. — Meu sorriso abriu sem eu mandar e fiz um rápido movimento de cotovelo com um “Yes!”.
— Se ela sentir dores, Dana, pode dar um Ibuprofeno. Pode ser um pouco normal ainda sentir dores ou coceiras fantasmas.— Oi?! Fantasmas vão me seguir, agora?! — Perguntei assustada, o que rendeu algumas risadas dos dois adultos na sala.
— Não. O que eu quis dizer é que pode acabar sentindo algumas coisas no seu dedo amputado, como coceira, alguma dor ou até mesmo pinicão. É só seu cérebro esquecendo que o dedo já não está mais ali e mandando estímulos para o local.— Aaaaah... — Acabei por entender.
— Dispensadas! Qualquer coisa não hesitem em me procurar.Eu e minha mãe saímos do hospital e eu não parava de mexer minha mão. Era uma sensação boa mexer os dedos sem sentir as ataduras irritando a pele. Dana, por sua vez, se mantinha olhando tudo em volta, provavelmente pensando nos seus compromissos e para onde iríamos em seguida.
— Mãe? — Chamei sua atenção antes de atravessarmos a rua e, então, ela me olhou.
— Eu quero praticar alguma luta.Ela fez uma expressão um pouco desconfortável, mas suavizou-a em seguida. Podia ouvir sua cabeça analisando as hipóteses de permitir que eu fosse praticar em tatames.
— Tá... nós vamos achar uma academia que ensine o que você quer aprender... — Exibi um sorriso largo, entusiasmada.
— Maaaas... — Claro que haveria um "Mas".
— Você vai me prometer que não vai mais brigar de graça por aí. — A observei alguns segundos, em silêncio. Eu precisaria me esforçar pra isso não acontecer, afinal... o sangue costuma ferver com as provocações.
— E aí? Estou esperando!— Tá! Eu prometo que não vou brigar de graça. Apenas em casos de emergência, como quando aconteceu isto. — Mostrei para ela o dedo faltando.
— Boa menina! Na primeira que você aprontar eu vou trancar a sua matrícula na academia.Maneei a cabeça em positivo e caminhamos pelas ruas, agora frescas, de Phoenix à procura de uma academia que me apresentasse alguns estilos de luta que me parecessem mais letais... digo... legais. Pra ser sincera não precisamos procurar muito, pois logo vimos uma academia de fachada preta, com um tema um tanto quanto industrial, e lá de dentro vários sons de pancadas e gritos masculinos.
Eu já podia sentir meu sangue fervendo pra lutar.
Entramos e o cheiro de Gelol me trouxe um certo conforto, assim como ver dois homens num ringue trocando golpes com luvas de boxe. Seus movimentos eram contidos, eu podia notar, pois estavam apenas treinando, mas as suas passadas eram rápidas e bastante hábeis. Nos aproximamos caminhando, pois minha mãe estava conduzindo. Por mim já tinha entrado correndo. O local, por dentro, era simples: um galpão inteiro, sem grandes partições. Tatames de 4 por 4 tablados espalhados e colocados em lugares estratégicos para coincidirem com sacos de pancada amarrados nas vigas do teto. O telhado era possível ser visto de dentro, sem um forro para separar. Ali dentro era bem quente por causa do Zinco.
— Meninos? Com licença... — Eles pararam os movimentos e, um pouco ofegantes, se aproximaram e acocaram-se perto das cordas, onde estávamos.
— Eu me chamo Dana e esta é minha filha, Tamara.— Eu me chamo Jean. — O homem esguio e forte de pele negra respondeu ofegante. Ele era mais velho, parecia ser o instrutor.
— Esse é o Jake... — Ele apontou para o garoto que treinava com ele. Não parecia ter mais do que 20 anos, pele clara, queixo largo, cabelos negros e olhos castanhos afiados.
— Muito prazer, Jean. Jake. — O garoto maneou em positivo com a cabeça e eu apenas sorri para eles.
— Você é o dono da academia? — Minha mãe perguntou, dirigindo-se a Jean.
— Sim... Deseja matricular alguém? Seu filho? — Dana então soltou uma risadinha, olhando de canto para mim.
— Minha filha. — Ambos olharam para mim e eu apenas sustentei o olhar.
— Aqui não treinamos casualmente. — Ele respondeu, já começando a levantar. Me meti, antes que minha mãe respondesse.
— E quem disse que eu quero treinar casualmente? — Jean me encarou de cima a baixo.
— Qual o seu objetivo aqui, Tamara? — Finalmente me perguntou.
— Eu quero me proteger. — Mostrei minha mão esquerda, com um dos dedos faltantes.
— Quero ter a certeza que o próximo que tentar fazer algo assim comigo não vai conseguir me prejudicar...Pude sentir seus olhos em mim e naquele momento, ao passo que as palavras saíam de meus lábios, a imagem de Carol veio em minha mente. Em como ela ficou transtornada ao me ver sangrando, ao ver que eu estava sendo atacada por aquele maníaco lunático. E em como a minha prioridade era permitir que
ela escapasse.
— Que não vai conseguir, sequer, tocar em quem eu estiver protegendo.Aquelas últimas palavras pareceram fazer um efeito positivo em Jean, pois ele sorriu. Pisou na primeira corda do ringue e ergueu para cima a segunda, fazendo uma abertura grande o suficiente para que eu conseguisse passar.
— Tira seus tênis e meias e pode subir. — Ele olhou para Dana, como se buscasse sua aprovação.
— Você se importa, mãe?Encarei Dana e ela apenas sorriu, se retirando, indo para alguns bancos encostados em uma parede próxima da porta. Rapidamente, e com um sorriso entusiasmado, tirei minhas meias e meus tênis, subindo por ali em um pulo. Jean se afastou, indo até o canto do ringue e pegando duas ataduras. Me pediu para estender as mãos e, então, começou a enrolá-las por entre meus dedos.
— Eu quero que você me mostre o que é capaz de fazer, para eu saber quão pesado posso pegar com você. — Enquanto ele me aprontava para um possível
sparring — Você vai trocar alguns golpes com o Jake e, se ele sentir necessidade, vai começar a revidar.Ambos olhamos para o garoto, que prontamente acenou a cabeça, concordando com as instruções. Com tudo pronto, me posicionei com as mãos erguidas em frente ao rosto, como os vi fazendo antes de chamarmos sua atenção.
— Podem começar. — Jean ordenou e Jake se aproximou, com sua luva erguida. Dei um pequeno soquinho, cumprimentando-o, e então começamos.
Do mesmo jeito que vi seus movimentos de perna, me aproximei do garoto, tentando um soco na altura de suas costelas, mas ele se aproximou, usando seu corpo para derrubar o meu, que era muito mais leve do que o dele. Assim que minhas costas tocaram o ringue, deixei a inércia agir e rolei para trás, prontamente ficando em pé e, uma vez mais, avancei.
Tentei diversos socos em seu tórax, barriga e costelas, mas Jake era visivelmente mais habilidoso e mais forte do que eu. Bloqueou com facilidade cada uma das minhas investidas, porém, ao final delas, se afastou com um sorriso, fazendo uma expressão de “nada mal”.
— Você é boa, mas ainda é muito agressiva. — Assoprei uma mecha de cabelo, sentindo meu rosto começar a esquentar.
— Eu estou tentando ver... aprender com os seus movimentos. — Pude vê-lo olhar com o canto do olho para Jean e, em seguida, para mim.
— E já conseguiu alguma coisa? — Maneei a cabeça em positivo.
— Sim... estou analisando desde que entrei aqui. — Jake sorriu e pude ouvir Jean rir nasaladamente, porém, pude sentir que não era um deboche.
— Então me mostra... — Ele então avançou.
Seu corpo rapidamente venceu nossa distância e um soco com a luva veio em direção ao meu rosto. Assim como os vi fazendo, ergui o braço dobrado e encostei-o em minha cabeça. O impacto me fez cambalear para o lado, porém, eu estava bem. O bloqueio havia sido bem-sucedido. Mais um soco, e mais outro, e em seguida outro. Entre bloqueios e esquivas usando jogo de pés e rápidas inclinações de corpo alguns ataques de Jake haviam entrado de forma efetiva e me acertado no rosto. Eu sabia que aquela não era a força máxima de Jake, e isso me deixava com raiva.
Me afastei de leve, dando alguns pulos enquanto arrumava meus cabelos em um rabo de cavalo.
— Vamos! Pode vir! Eu sei que não está usando tudo o que tem. — Soltei quase a plenos pulmões. Ele sorriu.
Se aproximou novamente, deixando um soco em minha costela. Entrou liso. Um segundo soco veio em direção ao meu rosto, mas joguei a cabeça para trás e senti apenas o deslocamento de ar. Jake então desferiu um jab destro frontal, mas me aproximei enquanto esquivava. Meu pé direito estava posicionado entre seus dois pés e, então, rotacionei o quadril no sentido horário soltando um soco com a canhota no lado direito do seu maxilar, exatamente o lado que sua defesa estava aberta, por causa do soco.
Ele se afastou, passando a mão no rosto.
— Muito... muito bom! — O garoto sorriu, olhando para Jean.
— Ela leva jeito, mestre. — Estou vendo... — Jean disse, do canto do ringue.
— Como... assim? — Estava ofegante, mas meu coração pulava em alegria e entusiasmo.
— Eu te acertei... mas você sequer sentiu...Jean se aproximou, então, e colocou a mão em meu ombro, começando a me ajudar a desenrolar as faixas. Meus dedos tremiam um pouco por causa da adrenalina, e quando percebeu, o dono da academia apenas sorriu.
— Jake é nosso aluno mais promissor. — Com isto dito, olhei para o meu oponente e ele apenas tirava as luvas
— Esteja aqui às seis da tarde. — Abri um sorriso, o maior que já dei no último ano.
— Não se atrase.Eu ainda não sabia disso, mas aquele era o primeiro passo para o longo caminho que eu ainda teria que percorrer.
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- NPCs: