Fico surpreso com o diálogo filosófico entre um anjo e um filho de Ares. Mas, mais que surpreso, fico irritado.

Aquele anjo me irritava. Sua voz, sua postura, sua aura, seu rosto inexistente. Eu sabia que não devia estar com tanta raiva, mas ainda assim, estava, sem sequer entender o porque.

O que você acha que está fazendo? -- Pergunto para a criatura dentro de mim.

Estava claro que aqueles sentimentos não eram meus. Não só meus. O demônio parecia não gostar do anjo, o que fazia todo sentido. E fez mais ainda, com o discurso do ser Celestial.

-- Além do mais , temo que vós deveis ficar longe de território cristão. Principalmente quando trazem consigo o braço direito de Lúcifer.

Sinto um aperto no peito ao ouvir estas palavras. Mas que porra é você?, pergunto novamente. Cerro os dentes, tentando manter-me neutro. Deveríamos descer? Estávamos mais que perdidos ali naquela cidade enorme, com anjos raivosos e uma missão sem pé ou cabeça para completar. Decido que não seria bom dialogar com o anjo. Não sairiam coisas bonitas de minha boca, certamente. Permaneço o mais neutro que conseguir.

O anjo não parecia satisfeito. Ouço atentamente cada palavra dele, como se cada detalhe pudesse significar nosso destino. E, bem, podia mesmo. Ouço-o falar dos feitos de nossos deuses, e do "Braço Direito de Lúcifer". Controlo a vontade spúbita de virar-me para encarar Roran e conferir se sua pele estava vermelha e se havia chifres nascendo em sua testa. Eu esperava que não.

-- Diga-me, Tyrel. Quer que saiamos de sua cidade, não é? Mas não podemos. Você tem sua missão, e nós temos a nossa. O jeito mais rápido de nos ter longe daqui, será nos ajudando. O que quis dizer com os recentes feitos de nossos deuses? Diga-nos, e sairemos de seu território celeste, e resolveremos o mais rápido possível nossos assuntos em terra.

Decido que não deveria esconder dele que não sabia. Anjos, pelo que dizem, falavam apenas a verdade. Mas levando em conta que deveriam ser pura bondade e amor, e aquele ali estava mais para puro Ódio e Rancor... Decido que talvez não seja muito seguro confiar no pouco que sabia sobre as lendas cristãs. Além do mais, eu não gostava dela. Não gostava de seus crentes. Não gostava de seus ditados. Tinha meus motivos pessoais para isso.

Apenas aguardo a resposta do anjo então.

 


 
 

Hack

 

Hack nota os olhos de Roran ficando foscos, como se seu espírito estivesse distante. Mas continua com o plano e continua a conversar com o anjo.

 

- Diga-me, Tyrel. Quer que saiamos de sua cidade, não é? Mas não podemos. Você tem sua missão, e nós temos a nossa. O jeito mais rápido de nos ter longe daqui, será nos ajudando. O que quis dizer com os recentes feitos de nossos deuses? Diga-nos, e sairemos de seu território celeste, e resolveremos o mais rápido possível nossos assuntos em terra.

 

- Pois bem. - O anjo suspira. Um pouco mais calmo agora, era como se a falta da presença espiritual de Roran lhe deixasse menos ‘arisco’. - Há um tempo, que nos planos celestiais nasceu uma menina. Um arcanjo puro, nascido do relacionamento entre anjos. Nunca antes isso havia acontecido, pois somos criaturas surgidas diretamente da bênção de Deus e de seu infinito poder. Ela cresceu por 100 anos até atingir sua maturidade e pleno poder, os anjos passaram a admirá-la, pois ela é o primeiro ser celestial com livre arbítrio. Então, um dia, em missão no mundo mortal ela conheceu um homem. Os dois se apaixonaram, e a partir daí, o céu se preocupou. Depois de um tempo, foi descoberto que esse homem era o Deus pagão da fobia. Nós entramos em contato com o rei dos Deuses gregos, para que os mundos não se ligassem provocando caos. O trato foi que ela passasse a ser presa no plano celestial para sempre, a cidade dos anjos, e o Deus ficasse longe dela para sempre. E agora, tudo está resolvido. Algo mais? 

Fecho os olhos, assimilando tudo. Agora fazia sentido. Agora as peças começavam a se encaixar, finalmente.
Novamente, o assunto amor. Franzo a sobrancelha ao imaginar um romance entre o deus do medo e um anjo. Um deus GREGO e um anjo CATÓLICO. De fato, aquilo talvez não desse em coisa boa.

-- Achei que vocês apoiassem o amor -- Digo. Não era uma crítica. Apenas um comentário -- Diga-me, anjo, o que acontecerá à menina, a anjo que se envolveu com o deus?

Por que?, perguntei a mim mesmo. Encarei o demônio à minha frente. E então, abaixei a cabeça, encarando a mim mesmo refletido naquele espelho infinito no qual pisava.


Talvez, penso. Ali, eu compreendia aquele demônio. De fato, eu nunca havia sido muto fã de nada. Não gostava de pessoas. De animais. De cultura ou músicas. Gostava de máquinas. De entender. De coisas que eu pudesse desmontar até a ultima e menor parte, e recriar como eu bem entendesse. Brincar de Deus.

Volto a encarar o demônio. Eu estava confuso. Eu não era fã das pessoas, mas daí a querer um genocídio, já era bem diferente. Então por que a ideia parecia tão tentadora?

-- Me diga. O que você quer? -- Pergunto a ele. Trinco os dentes. Ele parecia mais forte. Quando estava em sua forma física, eu mal havia conseguido derrotá-lo. E naquela época eu tinha Blaze ao meu lado, dando-me forças, lutando por mim.

Ali, eu estava só. Eu e ele. Naquela coexistência bizarra e tão instável quanto uma bomba de hidrogênio em uma tempestade. Eu entendia o demônio. Odiava religiosos. Odiava aquelas crenças estúpidas, que só disseminavam ódio, rancor, julgamentos sem pé ou cabeça. Matar a todos seria o correto? Atear fogo àquele Éden estúpido e reconstruir tudo das cinzas? Não.

Mantenha sua mente no eixo, Roran., digo para mim.

 
 
 
 
 
 


 
 
 
 

Olho para o céu, horrorizado e encantado com aquilo. Aquele que atendia por Deus estava ali?

-- Não -- Digo -- NÃO! Nós não fizemos nada! Não fomos nós! Eu lhe juro.

Olho para Roran, que ainda parecia, no mínimo, aturdido.

-- Vá ajudar seu povo. Nós desceremos. Não irei fugir de um crime que não cometi!

Aguardo, os punhos apertados em volta das rédeas, segurando-as com firmeza. Não sabia se a ira do anjo assustaria os pégasus, e tomo cuidado para não cair. Olho preocupado para Roran. Se o anjo decidisse nos atacar...

Fico alerta. Caso ele decida subir para ajudar seu povo, eu volto minha atenção para Roran, que não parecia em condições de cuidar de sí próprio. Se ele acordar, grito para que me siga. Se ele permanecer inconsciente eu manejo meu pégaso de forma a dar uma volta no dele e salto para seu flanco, caindo sentado atrás de Roran ( ).

-- Vá, garoto! -- Grito para minha montaria -- Te darei morangos quando voltar!

Passo meus braços por baixo dos do filho de Hefesto, agarrando as rédeas de seu pégaso e o guio para baixo, tentando impedir que o garoto caia. Vou descendo em espiral até algum lugar oportuno nas proximidades; um parque, um campo vazio, etc. Evito saltar no topo de prédios; queria manter-me o mais afastado possível do céu.

Uma vez em terra eu salto, trazendo Roran comigo, aparando-o nos braços e deitando-o no chão.
Olho para o pégaso em dúvidas se deveria mandá-lo embora ou que ficasse nas redondezas. Precisaríamos de carona para voltar. Decido deixá-lo ali, ao menos por enquanto. Retiro o elmo de Roran e dou uns tapas em sua cara pra que ele acorde, chamando por seu nome.

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Caso o anjo decida nos atacar eu tento manobrar o pégaso, nos afastando dele. Não queria deixá-lo machucar minha montaria, ainda mais que a mim. Grito para que o pégaso de Roran o leve para longe, torcendo para que o filho de Hefesto não caia, e dou o meu melhor para descer até o chão com o pégaso enquanto evito o anjo loucão.

-- Tentador -- Digo ao demônio.

Então, isso é um demônio, penso. E a mente de um.
Como filho de Hefesto, eu gostava de saber como as coisas funcionavam. Gostava e entender. Mas não ficava muito curioso em relação a outras formas de vida, humanas ou não, mágicas ou não. Mas devo confessar que entrar na mente de um demônio, e ter um dentro da minha, era ao mesmo tempo incrível e assustador.

As imagens do mundo em chamas estavam em minha mente. Lire de qualquer responsabilidade, e de quem me incomodasse. Mas...Livre de todo o resto também. Livre de amigos, de forjas, de missões, livre dos momentos de risos ao redor da mesa durante o jantar, discutindo com Alvelin e Johnny qual a melhor forma de se criar um reator de fusão nuclear. Suspiro.

-- Mas, não, amigão. Não hoje. Eu tenho coisas a fazer. Gosto deste Deus tanto quanto você. Se quiser declarar guerra a ele, me chame mas envolver meus amigos nisso? Meu Acampamento? Acho que não. Eu sou Roran, filho de Hefesto. E minha mente é minha.

Fecho os olhos. Onde eu estava?
Em uma dimensão em minha mente, onde tudo era vazio e ódio.
Errado. Eu estava em um pégaso nos céus de Los Angeles.

Com quem eu estava?
Com um demônio do fogo, chifrudo e com disturbios mentais seríssimos.
Errado. Com Hack van Let, filho de Ares. E um anjo idiota com uma espada bem, BEM grande.

O que eu queria?
A destruição do mundo, fogo, cinzas e renascença.
Errado. Queria nudes.

Tento focar-me onde eu deveria estar. Em meu corpo. Nas rédeas do pégaso em minhas mãos, e em seu lombo abaixo de mim. No vento e na voz de Hack. Eu tinha de voltar a mim. O demônio estava dentro de mim, e não o contrário, afinal.

Dando certo, tento recobrar os sentidos, olhando ao redor e assimilando o que estiver ocorrendo.
Se não, suspiro e puxo o martelo do cinto. Será que se eu batesse com força naquele demônio eu voltaria a mim? Hehehe. Quem sabe, né. Não custava tentar.

 
 
 
 
 
 
 





 
 
 
 

Fico aliviado quando Roran acorda. Solto um suspiro reprimido e digo pra ele:

-- Vamos. Não me assuste assim-- Ajudo-o a levantar.

Olho na direção onde o meteoro havia caído. Havia algo ali. Eu precisava conferir o que era. Teria a anjo com livre arbítrio se rebelado contra seus carcereiros? Estreito os olhos.

Tento caminhar com Roran naquela direção.