Ah... agora sim! Aquela era a hora do dia que eu mais gostava, a hora em que o sol finalmente ia embora. Isso quase me fazia esquecer de tudo que aconteceu na batalha anterior. Quase.
Vejo Androctásias bem no meio. Me senti apreensiva, pois já o encontrara antes e pude ver um pouco de seu poder. Isso me fazia pensar se podia mesmo dar conta do recado.
Nicolas fala como tudo estava em perfeita paz, e penso sobre isso. Não via como um Daemom que simbolizava a matança pudesse deixar alguma coisa daquele jeito.... a não ser que não houvesse mais nada naquele lugar...
Respiro fundo tentando me lembrar do começo daquela missão. Quando Éris nos contou qual era o problema "Meus filhos tão amados... Como uma mãe pode ser tão injustiçada assim. Eles se voltaram contra mim, não me obedecem mais! Vocês terão que se unir para acabar com a criatura que fez meus filhos se voltarem as minhas ordens."
Estava um tanto confusa. Androctásias era uma das crias de Éris.. Seria ele o causador do problema dela? Independente disso, tinha que fazer alguma coisa.
-- Androctásias, temos que voltar pra casa agora. -- Disse em um tom normal, como se não me preocupasse com aquilo.
Fiquei quieta aguardando a possível reação do Daemon ao que eu disse. Estava com minha mão direita pousada no cabo de minha espada. Mas novamente, somente o silencia.
Respirei fundo. Já estava cansada de fazer o papel de babá. Desembainhei minha arma e corri na direção do monstro. Perto, esperei a primeira investida e me esquivei para o lado, pronta para contra atacar. Uma tática muito básica para dar certo contra um monstro daquele tipo... ou não.
As almas encrustadas naquele corpo seguraram meu braço esquerdo e começaram a me puxar novamente para seu interior. Possuída pelo desespero e pânico, comecei a atacar furiosamente com minha espada, mas esta fora sugada. Mas não parei. Continuei golpeando com minha mão até meu braço esquerdo ser engolido quase que completamente. Então, minha mão começou a arder de uma maneira nunca vista antes. Só então percebi que as pontas de meus dedos estavam virando verdadeiras garras, e assim meus ataques começaram a ser mais efetivos.
O monstro, ao finalmente começar a sentir a dor, urrou e me empurrou para longe. Meus dois braços agora doíam demais, mas eu não conseguia entender o porque. Estava insana e tudo que me passava pela cabeça era derrotar aquela aberração.
Comecei a corre, e quando me dei por mim, já tinha passado do alvo. Não. Tentei de novo. Dessa vez Androctasias golpeou, mas consegui esquivar ainda correndo, contudo tropecei e rolei muitos metros até bater em uma parede. Minhas pernas estavam doendo tanto quanto meus braços. A dor era insuportável e só acentuava aquela insanidade. Assim, corri novamente, cega pela destruição. O número de investidas era incontável, fazendo o grande monstro não ter como se defender.
A cada golpe um grito de horror e desespero. Eram as almas ali presas pedindo clemencia. Mas eu não podia parar.
-- CLARE! --Escutei gritarem no fundo de minha consciência. -- CLARE PARE! PODE PARAR! -- Era Nicolas..
Virei-me em sua direção. Minha face já não era a mesma, e muito menos reconhecível. Ainda sem controle de mim avancei tão veloz que não pude parar, assim acertando o filho de Hypnos, fazendo-o voar, bater em uma parece e desmaiar.
Ao ver aquilo acontecer sinto o mundo pesar sobre meu corpo inteiro. O que tinha feito à meu próprio marido? O que estava fazendo naquele exato momento? Mais uma vez estava me rendendo àquele poder devastador e deixando tudo a perder? Olho para trás e vejo os destroços do que um dia foi um Daemom grande e poderoso. Agora só restava um líquido preto e gosmento em meio toda aquela destruição. Carros virados ao contrário e prédios destruídos. Por quanto tempo estive "inconsciente"? Finalmente vacilo. De joelhos em cima de uma poça de líquido negro consigo ver meu reflexo. Minha face estava mais alongada, tinha presas e olhos completamente negros. Não podia acreditar que tudo estava acontecendo novamente.
Fechei os olhos me culpando de tudo. Talvez aquele medalhão fosse mais uma de minhas maldições. Talvez eu não devesse ficar entre as pessoas...
Lembrei-me de minha mãe que há muito havia morrido para me proteger... Eu, que nem ligava mais para ela. Agora estava ali, destruindo tudo novamente. Destruindo quem aceitou viver com aquele ser imprevisível pelo resto de sua vida... "Lute por aqueles que vc perdeu, e por aqueles que vc não quer perder". Sim, era essa a verdade...
Quando me dei por mim, estava agachada com a cabeça entre os braços sem escamas. Minha roupa estava destruída, mas tinha minha pele de volta. Por um segundo me animei, até lembrar que meu corpo não tinha sido o único estrago.
Corri até onde estava Nicolas. Ainda estava desacordado, mas respirava. Olhei ao redor. Minha espada estava brilhando em um tom esverdeado. Corri até ela e pude ver... As incontáveis almas de antroctasias havia sido absorvidas pelo diamante de almas. Dizem que o Diamante reflete seu portador. Talvez aquelas almas não sofressem mais. Ou não muito mais...
Voltei a procurar minha mochila, e a encontrei em baixo de um carro. Corri de volta para Nicolas e lhe dei uma poção.
Novamente fiquei esperei ele acordar pensando em como eu poderia ser tão facilmente controlada. Era desanimador... Muito desanimador...
Quando Nícolas acordou não pude olhar para ele. Pela segunda vez tinha cometido o mesmo erro e não sabia se ele poderia simplesmente me perdoar.
-- Eu só... --- Tentei dizer, mas não tinha formulado nada..
Novamente Nícolas não disse nada, e somente me abraçou.
Senti as lagrimas escorrerem e agradeci por ter alguém como ele.
-- Vamos, temos que aproveitar enquanto ainda é noite.
Andamos calados até o prédio no centro do parque.
Era uma construção estranha para se estar ali. A porta emanava uma claridade suspeita e as paredes eram estupidamente brancas. Era sorte mesmo estar de noite, pois não sabia o quanto aquilo poderia reluzir.
Nícolas sabia da minha "fraqueza" com locais iluminados demais, por isso, deu o passo a frente. Quando ele tocou a porta, algo aconteceu. Além de voar de volta para trás, ele levantou com olhos completamente iluminados, quase como 2 lanternas de luz infinita.
Não, eu não ia lutar contra ele depois de tudo que tinha acontecido. Invoquei as estacas do tártaro de maneira que o circulasse e a pedra maior serviu como uma porta para aquela cela improvisada.
Entrei no prédio.
Eram tantas escadas que tive que parar algumas vezes para descansar. Finalmente cheguei a uma sala, a única do andar e provavelmente a única do prédio. Me perguntei quem tinha construído aquela merda. A porta era tão iluminada quanto a de entrada, se não mais. Mas não tinha como voltar agora, e então entrei.
Estava ficando cada vez mais irritada à medida que as luzes iam aumentando, e sim, a sala era ainda mais iluminada. Apesar da claridade toda, o local parecia o mais calmo que já vira em toda a minha vida... Sim, ainda mais "calmo" do que encontrar androctasias.
-- Não esperava que chegasse até aqui, cria de Hades -- Sua voz era tão suave quanto a seda branca que vestia. Ela olhava por uma janela que ia do teto até o chão.
-- Eu também não. -- Respondi fria -- Mas aqui estou, para a surpresa das duas -- Termino em tom irônico.
Sua risada parecia vir de todos os lados e parecia mais uma cansão de ninar.
-- É uma pena que daqui não passará -- Disse se virando para mim. -- Vc não pode destruir a Harmonia.
-- Talvez eu não precise. Por que esta fazendo isso? Desde quando Harmonia deseja causar o Caos? -- Perguntei tentando entender por que ma deusa que deveria semear a paz estava por trás daqueles acontecimentos macabros.
-- Não que você vá entender, cara semideusa, mas Éris sempre foi o centro das atenções. -- Ela dizia com um tom diferente agora. Como se estivesse irritada -- Eu, Harmonia, sempre fui responsável por manter a paz em todos os lugares... mas não adianta, pois Éris sempre estava ali para me fazer perder tempo. Por todo lugar por onde eu passava, ela passava atrás e por consequência eu tinha que passar de novo. É quase como um ciclo vicioso ridículo e inútil.
-- Então vc acha mais fácil acabar com Éris? -- Pergunto, meio incrédula -- Não é atoa que é só a deusa da Harmonia, não? -- Irrito antes de me explicar -- Não sei se vc vai entender, Deusa, mas sem a discórdia nunca haveria a paz.
Novamente todo o local parecia rir com a Deusa.
-- Você pode tentar se explicar, Filha de Hades, não sabe o que é a harmonia. -- Ela termina com seu tom ainda mais irritado e então levanta seus braços de maneira majestosa, arremessando várias agulhas.
É. não consegui desviar, e mesmo depois de ter invocado minha armadura, as agulhas ainda pareciam ferir. Pelo visto ela não queria me matar, pois todas só deixaram vários profundos arranhões.
Para a minha infelicidade, nenhum dos meus poderes de sombra funcionaria naquele local, além do mais, como estava no em um andar estupidamente alto, também não poderia invocar as rochas ou fenda.
As opções eram poucas, por isso, invoco um pequeno grupo de esqueletos para servirem de escudo enquanto pensava no que fazer.
A sorte era que a sala era muito grande, assim as agulhas demoravam alguns segundos para chegar até mim.. O azar é que a cada "disparo" pelo menos 10 agulhas vinham em minha direção. Os esqueletos caíram um a um de maneira inútil. Harmonia, bem como seu nome diz tinha os movimentos mais do que perfeitos e se eu não estava morta é pq ela queria se divertir. Mesmo com meu escudo improvisado, algumas agulhas ainda me atingiam.
Quando o ultimo esqueleto caiu, já tinha decidido o que fazer. Esperei a próxima onda de agulhas e assim, atirei fogo negro nas que vinham na minha frente. Minhas pernas foram atingidas, mas agora tinha agulhas de fogo negro em minha posse, assim fiz com que estas voassem na direção da Deusa. Surpresa, mas não muito, ela apenas desvia de todas elas movimentando os braços graciosamente, fazendo com que somente 1% das agulhas atingisse de raspão o vestido que vestia.
Tentei aproveitar a deixa para fazer o fogo negro se expandir, mas parece que a aura protetora da deusa o extinguiu.
Não tinha nem tempo para pensar, pois outra onda de agulhas vinha quando uma ideia estala em minha cabeça. Era perigoso, e estava relutando para não ter que recorrer a isso, mas Harmonia era uma deusa, e eu uma mera campista ainda inexperiente...
Usei a mesma tática, ateando fogo negro nas agulhas e assim arremessei-as de volta na deusa. Aproveitei este momento para tentar liberar parte do poder que havia testado por 2 vezes naquele dia, aumentando minha velocidade e investindo com a espada contra a deusa. Como previsto, Harmonia desviou perfeitamente, mas algo diferente aconteceu. O diamante de almas começou a brilhar, e todas as almas ficaram inquietas. Sim, as almas estavam querendo a paz de Harmonia. Dessa vez liberei o poder dos braços, dando-me mais velocidade nos ataques, e com isso ativei Soul eater, para que em qualquer brecha que a espada acertasse todas as almas consumissem a Deusa.
Assim continuei incessante, até sentir que estava passando de meu controle. Minha visão já estava ficando embaçada e a cada golpe sentia o medalhão esquentar mais. Não. Eu não ia perder o controle de meu corpo novamente. Eu não podia falhar mais uma vez...
Só escuridão.
Não sei quanto tempo estive estive "apagada" só esperava não ter demolido o prédio já que Nicolas estava la em baixo.
-- Ele esta bem. -- Escutei a voz familiar tentar me confortar, e só então parei para me perguntar onde estava. Olhei em volta, mas estava tudo completamente escuro. As únicas coisas que conseguiria ver era meu corpo e o grande trono no qual Hades estava sentado.
Era uma situação estranha estar cara a cara com meu pai. Não tinha vontade de sentar ao seu lado e contar como foi as ultimas férias... Não quando meu pai nunca se importara.
-- A culpa não é sua. -- Ele respondeu, como se soubesse que estava me culpando por ter sido tomada pelo poder do medalhão pela terceira vez. -- Harmonia foi derrotada e será punida devidamente.
-- Eu sei que é uma outra maldição minha... -- Falei pela primeira vez.. Sem me importar com o fato de ter derrotado Harmonia.. por não ter sido eu, mas sim o medalhão..
Então sinto arder meu braço. Nele o simbolo do medalhão aparece.
-- Essa tatuagem irá te ajudar a controlar o poder do medalhão. Mas não abuse. -- Ele disse frio como sempre enquanto analisava sua filha destruída.
-- Muito obrigada por sua gratidão -- Respondi fria, mas agradecida do fundo do coração. Não quis demonstrar que havia percebido que ele se importava, do mesmo jeito que ele fazia comigo.
Quando acordei estava no acampamento. Na cama ao meu lado Nicolas ainda dormia... e eu sabia que assim ele permaneceria pelo resto da semana.
Quando voltei ao meu chalé contei tudo à Éris e só assim dormi bem de noite.