Enquanto me segurava por minha vida nas correntes que estava usando como cinto de "segurança", eu olhava pela janela encantado com a velocidade que seguíamos.

- Isso é incrível. Vocês são melhores do que o Expresso da Meia-Noite do Harry Potter - comento, lembrando-me do ônibus mágico que encolhia, esticava e pulava para passar por qualquer espaço enquanto corria pelo asfalto. A diferença ali é que as latas e bancos das calçadas pareciam se dobrar ou saltar para evitar serem atingidos pelo carro.

Novamente Henry tinha me ensinado um ritual mágico que parecia ser comum ao mundo dos semideuses. Que conveniente... Então, era disso que semideuses eram capazes? Invocar videochamadas HD em qualquer lugar, e ainda uma verdadeira carruagem da danação para viagens próximas. Aquilo era tão legal que eu nem estava me incomodando com o olho que elas passavam entre sí como se fosse um boné.

Quando elas questionam sobre meu cheiro disfarçado, porém, olho para Henry sem saber o que responder. Quanto custava aquela viagem? Eu tinha visto ele oferendar uma moeda de ouro, e se fosse, isso, eu poderia pagar então.

Enfio a mão na mochila e puxo de lá três dracmas. Tinha visto como Henry era sempre galante e agradável com todos, e como manter uma boa relação com motoristas mitológicas podia ser conveniente. Engulo em seco e decido tentar imitá-lo em sua forma tranquila e conciliadora de falar, apesar do incômodo de olhar para aqueles rostos ressequidos e enrugados e sem olho, como cadáveres. Cadáveres?

Bom. Eu já tinha ajudado minha mãe com diversos cadáveres. Pensando bem, as velhas não pareciam diferente deles, e a ideia me ajuda a olhá-las sem maior incômodos. Imagino-as como cadáveres falantes e digo com confiança e calma;

- Oh, desculpem por isso. Eu sou um tanto novo, e meu amigo só queria me proteger. Não tinha idéia de que poderia ser inconveniente para as senhoritas de alguma forma... Por favor, aceitem esta compensação. Juro solenemente que não pretendo fazer nada de ruim, sim?

Assim ofereço uma das moedas para cada "senhorita". Olho para Henry com cara de , me questionando se tinha agido corretamente, afinal não tinha ideia do por que ela estaria incomodada com o difarce lançado em mim. Talvez achasse que eu poderia estar querendo aprontar algo.

Olhando para o céu pelo vidro do saguão do aeroporto, podia jurar que aquelas nuvens estavam olhando de volta para mim. Encarando com uma carranca cinzenta e perigosa, serpeando pelo céu como uma serpente enorme esperando-me subir em um avião para se enrolar em mim e me esmagar como um rato.

Engulo em seco. Alto demais, penso. Perigoso demais. Exposto demais, impotente demais. Eu nunca tinha sequer pensado na ideia de viajar de avião. As únicas vezes que viajei fora com minha mãe, para ir a cidades próximas comprar seus utensílios médicos ou atender clientes, ou ainda para visitar um chalé velho nos campos nas férias. Sempre de carro.

Agora a ideia de um carro enorme e com duas asas de ferro voando em meio a nuvens cuspidoras de raios me parecia a ideia mais estúpida que a humanidade já teve. Mas o que eu poderia fazer, agora? Aquela era apenas minha primeira saída do Acampamento, sequer era uma missão e eu já estava tremendo de medo. Sequer havia um monstro em minha frente, mas eu já sentia que iria morrer.

- Não posso fazer isso - falo para Henry assim que ele voltar - O céu é uma serpente gigante.

Eu poderia explicar melhor, claro, mas naquele momento era a única imagem na minha cabeça; as nuvens serpeando como se me aguardassem.

- Há outra forma de ir? De... Ônibus? Ou... Alugar um carro? Ou eu ... Posso voltar. Não quero atrapalhar você, está indo trabalhar afinal.

Estava confuso e envergonhado com tudo aquilo. Além do medo, ainda estava me sentindo sem graça de estar parecendo uma criança com medo de voar em uma vião. Enquanto estávamos ali, centenas de pessoas saíram e chegaram do aeroporto voando... E vivos. Então, por que eu tinha certeza de que se subisse ao céu, desceria da pior forma?

Olho novamente lá para fora, apenas para ver a serpente me encarando de volta. "Suba", parecia dizer. "Me rela pra tu ver", ou algo assim.

- Certo, eu... eu vou dar um jeito - Respondo para Henry, recebendo a passagem do próximo avião e encarando-a como se fosse uma sentença assinada de morte.

Depois que o filho de Afrodite se for eu volto para os vidros do saguão, onde volto a encarar o céu neboloso, encantado com seu horror. Inspiro e expiro lentamente várias vezes tentando manter-me calmo e me livrar do medo. Henry é um semideus experiente e está viajando tranquilamente. E ele faz isso sempre! Por que eu morreria em minha primeiríssima viagem? Isso é irreal., falei para mim mesmo em uma tentativa - vã - de me acalmar.

Sento-me olhando o céu. Será que algum deus estava bravo, hoje? era Zeus o comandante dos céus, correto? Deus dos deuses, senhor dos céus, mestre dos trovões... Sem dúvidas era o deus mais famoso da mitologia; o clássico cara com o raio nas mãos, pronto pra fritar quaquer um com ele. Devia ser um cara legal. Se eu fosse filho dele, provavelmente poderia viajar nos céus sem me preocupar. Quem sabe não pudesse até voar?

Não pude deixar de rir coma ridículo da ideia de alguém sair voando por ai. Mas então, algo me ocorreu; Zeus era real. E era um deus. Um de verdade.

Olho ao redor. Confiro em minha mochila quanto tinha de dinheiro, então vou até algum lugar próximo e compro a comida mais gostosa que achar. Uma lasanha? Pizza de bacon com quatro queijos? Sei lá. Só compro o que o dinheiro permitir, sem me importar em gastar tudo. Também compro uns papeis e fósforo na conveniência mais próxima, além d epegar um prato de bobeira em cima de alguma mesa.

Então vou até o lado de fora, nos jardins do aeroporto ou algo assim. Busco por um canto mais isolado, reúno alguns gravetos e monto sobre um prato a pira mais medíocre da história. Acendo o fogo com papel e fósforo e então sento diante dele com a comida gostosa em mãos.

- Caham. Hm, olá, senhor- lorde Zeus. Eu sou Owen.. Owen Corazon Black. Eu sou um semideus, e estou agora tentando fazer uma viagem. Eu nunca conversei ou orei com um deus antes, então não sei se estou fazendo isto certo... Mas sei que o senhor é o deus dos céus, e que é o rei dos deuses. Toda criança já brilhou os olhos ao ver ou ouvir menções do Senhor dos Raios... Não sei quem é meu pai, mas... Espero que seja um cara legal como você. Eu não posso pedir ajuda a quem eu não sei, mas sei que você existe, então... Gostaria de pedir ajuda. Eu não tenho coragem de subir em um avião... Pois os céus, seus jardins ou algo assim, estão realmente apavorantes aqui. O senhor poderia me permitir viajar e chegar vivo do outro lado do país? Eu sei que uma lasanha não é tão cara quanto uma passagem de avião, claro! Mas, é só o que posso oferecer neste momento. Então, eh... Por favor, aceite, e por favor pense com carinho sobre talvez limpar o céu.

Me sentindo um esquizofrênico, eu jogo a comida sobre o fogo empurrando-a do prato com um garfo. Lembro-me sas histórias loucas do pós-morte e como as almas pagavam sua travessia com duas dracmas de ouro. Pego duas moedas em meu bolso e jogo-as no fogo também; talvez valessem minha passagem. Ou talvez, valessem uma passagem para minha alma depois que eu morresse num trágico acidente de avião.

Permaneço ali por alguns minutos, observando o céu. Eu geralmente gostava de dias nublados... Mas não quando estava pensando em viajar de avião. A escuridão de um dia tempestuoso hoje me deixava desconfortável e assustado.

De qualquer forma, volto depois para dentro do aeroporto, conferindo a hora da pasagem do avião que viria depois, com Henry havia dito. Para embarcar ou não, esperaria até a hora de sua saída, esperando uam repsosta para minha louca prece.

Olho para os dois seguranças, pensando em como aquilo parecia problemático.

- Hã, olá. Eu só estava com medo de viajar e vim fazer uma oferenda aos deuses para que dêm uma boa viagem a minha família... - Levanto-me olhando para as chamas com austeridade (?) - Desculpem pela fumaça, mas podem deixar que eu termine minhas orações? De onde venho, isso é algo muito importante.

Falo com certeza e sem hesitação, afinal, eles estavam sendo xenófobos e intolerantes religiosos e eu, era um precioso cliente da companhia de aviação que odiaria ser descriminado.

- Claro, depois eu vou limpar tudo, apagar e jogar no lixo! Não se preocupem.

Quando olhei pro céu, porém, fiquei d eboca aberta um momento. Aquilo era... Um Smiley? Zeus tinha me mandado... Um emoji no céu?

Tento segurar minha euforia. Aquilo era uma confirmação da ideia louca de que havia homens e mulheres com poderes morando no céu. E isso era simplesmente bizarro demais.

Se eles parecerem convencidos eu faço como havia dito; volto a orar um pouco, agradecendo a Zeus e garantindo que sempre lembraria de fazer uma oferenda de lasanha para ele quando tivesse no Acampamento. E que se voltasse a ir em casa, pediria a minha mãe que preparasse sua torta de queijo e frango que era ma-ra-vi-lho-sa, e que ele não teria provado nada melhor em seus dez mil anos. E depois peço desculpa por insinuar que ele era velho.

Depois de uns cinco minutos eu tento apagar o fogo abafando-o com terra, então pego o prato e o restante dos destroços e jogo na lixeira quando esfriar.

Caso os guardas não pareçam convencidos Apenas peço desculpas e digo que limparia imediatamente, e assim o faço.

- Desculpem, eu não pensei que iria gerar tantos problemas. Não vou fazer de novo. Mas... Vocês trabalham aqui há muito tempo? Já viram um avião... cair??? - Não seria difícil fingir meu temor, claro. Faço a pergunta com honestidade para eles, para enrolar e quem sabe, me tranquilizar. Depopis aponto pro céu e digo - olha! Acho que os deuses atenderam meu pedido... O dia parece muito mais bonito, né? Aquela nuvem está até sorrindo!

Agradeço aos guardas com um sorriso caloroso ao entrarno saguão, então me viro e dou um suspiro de tédio. Adultos são tão intrometidos. Mas pelo menos eles foram legais e me deixaram terminar o que estava fazendo.

Na hora de entrar, porém, mais uma adulta linda e intrometida acenava para mim. Eu estava distraído pensando em como estava fodidopor ter uma espada e um escudo nas costas, e estar caminhando na direção de um detector de metais, quando notei a presneça dela. Olho para ela, hesitante... Eu não costumava ficar nervoso perto de pessoas bonitas - bom, talvez do Henry, por motivos que não entendia - mas estava me sentindo tímido e desconfortável. Ainda assim, começo a caminhar em direção a ela e ao me aproximar digo sabiamente;

- Oi. Bela lasanha...

Aguardo um moemnto na esperança de que ela esclareça quem é e se me conhecia. Se não, pergunto a ela se já nos encontramos antes, tentando não parecer um adolescente tonto dando em cima dela, e permaneço atento ao horário de saída para não perder meu voo.