Meus dedos dedilham as cordas da lira enquanto vejo os espólios de muitas lutas se desmancharem em um brilho dourado. Um lampejo de esperança. Respiro com pouco mais de facilidade, mas com o peito tão cheio e dolorido como se a mais poderosa de minhas flechas estivessem dentro dele. Ardendo, corroendo. Remorso.
O som de nossa música, suave, melódica, calma, profunda, triste, alegre. Muitos sentimentos em notas que podiam ser compreendido por nós e pelos animais ao redor. Acompanho o brilho do pó dourado subir pelos céus, e em seguida uma estrela singela e brilhante descer dos céus, graciosa. O pequeno astro pousa sobre a marca que mudou minha vida. Sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto, por mais que estivesse lutando para mantê-las quietas dentro de mim.
Kahllie responde instintivamente à aproximação de um enorme bode. Interrompo a musica e me coloco de pé, abaixo a cabeça em respeito e arrependimento. Meu braço começa a queimar e me assusto, olhando para a marca a princípio sem entender. Há quanto tempo não sentia o que era uma queimação? Desde que portava a Tatuagem do fogo não senti mais aquela ardência indescritível. Fecho os punhos e para segurar a dor fecho os olhos. Não havia mais o que ser dito.
Escuto Kahllie se frustrar ao meu lado por não conseguir reagir ao que estava acontecendo. Ela não poderia mesmo que quisesse, sendo um aminal, selvagem e agora mágico, na frente do Deus guardião das florestas e animais.
Pã se aproxima e sinto meu braço queimar cada vez mais a cada passo a frente. Sinto o arder aumentar aceitando minha punição como quem realmente merece tudo isso. O bode se coloca em minha frente, fixo meus olhos cheios de lágrimas aos impiedosos e cheio de raiva dele. O pânico enche meu peito. Medo, pânico. Minha cabeça gira, todas as imagens vivenciadas rodando como um filme ao fundo de minha mente.
"Nunca esquecerá."
A voz vibra. Meu braço queima tanto que parecia já ter se formado um buraco em chamas nele. Reviro os olhos e caio de joelho, tremendo. Kahllie luta internamente para conseguir reagir, sem sucesso.
"Não... Esquecerá."
Apago.
Estava na cabana, estava na floresta, o gato com olhos brilhantes, a paralisia, o sufoco, os olhos de Pã, meu braço pegando fogo. O que era o tempo? Não sabia mais dizer. Achei ter passado 1 dia naquele pesadelo, quando na verdade haviam sido 1 semana, segundo Quíron me dissera. Era exatamente a mesma coisa que estava acontecendo, vivo todos detalhes da missão, a voz de Ártemis, que eu sabia não ser verdadeira. Kahllie vulnerável ao medo, desmaiada. Pã, em minha frente deixando claro que nunca me perdoaria.
Sinto meu corpo tremer como quem está tendo uma convulção.
O que é a dor? O que é o desespero? A falta de esperança. Os sentimentos que vc mata dentro de você por pura sobrevivência.
Lembro de meu passado, antes de encontrar Ártemis. Tinha aprendido a sobreviver colocando o dever acima de qualquer empatia.
Lembro como tudo mudou ao entrar na caçada. Entender que coisas ruins acontecem, e que isso seria no final somente parte de nossa história.
As lagrimas escorrem pelo meu rosto. Não queria voltar a viver daquela maneira, apática, impiedosa. Quando se vive com medo e terror o tempo todo, desenvolvemos um mecanismo de defesa, onde em um dado momento não é possível sentir mais nada. Não queria me tornar um monstro novamente.
O som da melodia de Enzo ao fundo de minha consciência era o que me fazia lembrar onde eu realmente estava.
"Não se esqueça. Não se deixe esquecer"
Outra flecha se finca em meu peito para se juntar à destruição interna em meu ser.
"Ficará tudo bem agora"
Ouvir sua voz me fez sentir ainda mais dor. Como eu pudera ser tão ingênua? Burra. Inconsequente. Leviana.
Meu peito começa a ficar mais leve e sinto meu braço, aos poucos, parar de incinerar.
Abro os olhos com a cara lavada de lágrimas, sinto meus olhos queimando por todo o sofrimento que passei, inchado como há anos não estivera.
Kahllie me aparou quando caí, acaricio seus pelos macios.
"Me perdoe por isso. A ideia foi toda minha" Digo à mim mesma em pensamentos. Kahllie só queria me ajudar, e olha pelo que estavamos passando por uma decisão egoista.
Seus olhos brilham em um prateado familiar, e finalmente esboço um leve sorriso, encostando minha cabeça à dela. Vejo o ponto negro que se formou no lugar onde estava a marca.
Não tinha certeza se aquilo era um sinal que Pã foi obrigado a reconsiderar, ou se realmente tinha me perdoado. De qualquer forma, sinto que as coisas seriam diferentes de agora em diante. Mais amenas.
Busco Enzo com o olhar... Me levanto em 1 piscar de olhos, me colocando ao seu lado. Começo a bater no fogo para que ele se apague, em seguida cuido dos ferimentos em sua mão.
Não sentia mais o medo irracional da maldição, mas o remorso e arrependimento nunca mais sairiam de meu peito, e agora Enzo estava em um estado deplorável por minha culpa. Nunca em toda minha existência havia comedido um erro tão grave. Me colocar em risco nunca foi um problema, mas Kahllie, Enzo... Minhas mãos tremem quando coloco na boca de meu irmão 1 gole do Cantil de Nectar (100 pontos de energia).
Enquanto espero ansiosa que Enzo reaja, puxo minha lira e começo a tocar uma Música Divina.
Nível 22 - Música Divina: O personagem toca uma música, relaxando e revigorando a energia e vida de seus companheiros e de si próprio em 50% do WIS do personagem. Requer que o filho de Apolo tenha pelo menos 40% dos pontos de energia para ativar a habilidade (mas esses pontos não serão consumidos). Ao ser tocado com instrumento ocupa o personagem, ao ser cantado com a Ativa Vocalista, impedirá o filho de Apolo de usar habilidades ativas de nível superior à passiva Habilidades musicais que tiver. A habilidade entrará em espera durante 6 rodadas, e só vai ficar ativa durante aquela rodada.
Wis: 890
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