Lorenzo se aproxima. O garoto sentia o cansaço, a dor, as injurias. O latejar dos ossos quase fraturados e sabia que levaria um tempo para se recuperar; mas sabia mais ainda que, se parasse, sentiria-se pior. Se cedesse um único momento ao cansaço do corpo, a mente também vacilaria.

Determinado então o filho da Guerra avança. Seu corpo parecia até mesmo desprender uma leve névoa de calor, o suor evaporando em meio ao clima escaldante que o dragão havia dado à caverna. Assim, o garoto se aproxima. O dragão ainda estava zonzo do ultimo golpe e mal reage quando o garoto o acerta com um soco que mais parece um tiro de canhão; a carne do monstro afunda e o dragão dá um ultimo suspiro enquanto guincha baixo de dor. Aos poucos sua respiração para; seus olhos se apagam; e o corpo da criatura começa a se decompor em um pó cor de bronze como suas escamas. O filho de Marte encontra duas escamas ainda inteiras em meio às outras semi-desintegradas, e as guarda.

Lorenzo sente as dores se intensificando em seu corpo. O garoto fraqueja e cai apoiado na parede, escorregando até o chão onde se senta, a visão falhando enquanto respira profundamente pra tentar manter o oxigênio no corpo.

Uma lufada de ar gelado faz Lorenzo tremer. Apesar do calafrio o garoto recebe o frescor com alivio e, ao abrir os olhos, Presa-de-neve estava diante dele, as asinhas abertas à sua frente, lançando uma leve névoa gelida que encobria o garoto aliviando a temperatura.

Vocês, machos, são sempre imprudentes, independentemente da espécie. Mas devo admitir que foi um combate inspirador.

A dragona aproxima o focinho e sopra uma baforada fria sobre as bolhas no braço do garoto, que não sabe se sente alivio, dor ou coceira.

A dragona olha com uma expressão engraçada para Lorenzo.

Meu passado é entediante, garoto. Tenho certeza de que já viu dezenas como ele. Como um floco-de-neve em meio à nevasca.

Ela se senta no chão e Lore percebe que aos poucos, e rapidamente, o clima ao redor volta a amenizar, o frio que emanava dela vencendo o calor impregnado nas rochas. Aos poucos torna-se mais fácil respirar e o garoto consegue resfriar seu corpo.

Lore come sua ambrosia enquanto a dragona a cheira parecendo interessada.

Eu venho do norte, semideus. De mais ao norte do que você ja deve ter ido em sua vida. Onde todo o horizonte é branco, e o céu é cinza. Onde há apenas neve sob os pés e sobre a cabeça. Teria passado minha vida lá, se dependesse de meus anciãos. Mas... Não depende. Seus olhos azulados brilham com desafio enquanto fala. A dragoninha conta um pouco sobre como funcionava a vida; sobre como dragões costumavam ser solitários mas que alguns, como ela, que gostavam de pensar mais do que lutar, formavam colonias. Geralmente, liderada pelo mais antigo dos dragões, não especificamente o mais forte.

Ela conta como caçava no céu e no mar gelado. Como duelava com outros jovens por experiência. Como aprendiam com os mais velhos sobre o vôo, sobre a caça, sobre a magia, sobre a alma. E sobre o mundo. Onde aprendiam sobre a filosofia da vida de um dragão.

Lore sente-se melhor após meia hora de papo. A esta altura Presa-de-neve descansava sentada sobre uma macia cama de neve que ela mesma providenciou soprando o chão. Ali, eles eventualmente ouviam barulho dos demais túneis mas algo chamava a atenção no túneo maior que ia em uma reta no meio, com uma leve inclinação para cima. Lore sente uma briza soprar de lá.

A dragoninha se levanta, se espreguiça como um gato e segue Lore em direção ao túneo. O garoto percebe que ela parece meio hesitante enquanto olha para o túneo mas, se tratando de um dragão, era difícil dizer de fato o que sentia.

O garoto sente o fluxo de ar que vem da abertura. Para sua surpresa, o ar é seco e gélido; como a brisa que saia de sua companheira, mas muito mais seca e agressiva.

O garoto começa a descer. Ali, ele ouve o som de patinhas depois de um tempo e vê movimento nas sombras. Ali o número de pedras vermelhas brilhantes diminuiu muito, até que o garoto começa a ter dificuldades para enxergar no escuro. A brisa sopra cada vez mais gélida e forte enquanto eles caminham com a constante sensação de estarem sendo observados.

Depois de alguns minutos o que quer que estivesse à espreita cançou de esperar. Lorenzo sente uma clara aproximação por trás e pela frente ao mesmo tempo. A dragona rosna ao seu lado, parecendo pronta pra saltar para lutar.

Lore para e se concentra. O garoto conseguia sentir a presença dos seus "predadores" quase como se fosse um sexto sentido embutido em sua mente. ele respira profundamente ouvindo os passinhos rápidos contra o chão, conseguindo distinguir o som de garras contra a rocha e de asas cortando o ar ao mesmo tempo. Por fim, o primeiro ataque vem. A criatura entrou na visão de Lorenzo, saltando e planando com suas asas couráceas. O garoto já se preparava para agarrar a criatura, mas alguém foi mais rápida que ele.

Presa-de-gelo saltou como um gato, agarrando o pescoço da criatura e dando uma cambalhota por cima dela no ar. Os dois cairam engalfinhando-se no chão, mas Lorenzo não teve tempo de ver o resto do combate, pois a segunda criatura já saltava contra ele. O garoto agarrou o pescoço do dragão, mantendo-o erguido à sua frente por um momento enquanto a criatura lutava loucamente para abocanhar seu rosto, e então jogando-o contra a parede. A criatura solta um guincho e escorrega, mole, pro chão.

Spoiler:

Os filhinhos da puta têm o tamanho de um cachorro, basicamente, e suas asas não são tão grandes. Mas pelo som de passos ao redor, deviam ser ao menos uma dúzia cercando-os. Pequenas sombras moviam-se pelo chão e pelas paredes, por onde eles andavam graças às suas garrinhas.

Presa-de-gelo se ergueu de seu combate. Com uma mordida precisa, o outro dragão jazia morto abaixo dela.

Há! Vocês ousam me atacar, dragolins?, fala Presa-de-gelo, parecendo puta. Ratos como vocês, que caçam em bando pra não perecer diante a mais fraca presa? Há! Pois venham!

A dragona dispara como um raio, agarrando outro dragãozinho pela boca enquanto salta sobre outro, cortando-o com suas garras, parecendo enxergar perfeitamente no escuro. Ela tnha o tamanho de uma moto, não sendo um dragão grande, mas tampouco parecia se assustar com a gangue de dragões à sua frente. Lorenzo se distrai por um momento com a ferocidade da dragãozinha, e outros dois filhinhosdapiuta já saltavam sobre ele do teto. Um deles se gruda no ombro do garoto, fincando seus dentes ali, e o outro é parado pela mão de ferro do semideus. Ele sabia que ourtos se aproximavam pra abocanhar suas pernas.

O filho da guerra esmaga os dois dragõezinhos que haviam saltado sobre ele primeiro. Ele tem de usar mais força do que esperava em seu aperto pra conseguir romper seus ossos, provando que mesmo pequenos ainda eram dragões, afinal. A resistência das criaturas era acima da média. Mas ainda assim, com apertos e uma bicuda bem dada, mais dois dragolins estavam eliminados e um terceiro rolava pelo chão da caverna com o focinho sangrando.

Pelo canto do olho Lorenzo vê o vulto branco de Presas-de-gelo se movendo com velocidade. Os dragolins tentavam cercá-la por trás, mas cada vez que faziam isso a cauda da dragona os acertava em cheio no focinhe e ela virava-se, abocanhando o azarado que fosse mais devagar em fugir.

O garoto sente o ombro arder onde levou a mordida; em parte porque ainda estava queimado da luta anterior, em parte porque parecia, de fato, envenenada. Enviava ondas de dor fria pelo braço e pelo tronco, mas não chega a doer nem te nenhum outro efeito que chegasse a impedir os movimentos do semideus. Então Lorenzo apenas desvia dos outros ataques e os recebe com socos e chutes nos dragõezinhos, a maioria caindo zonza depois de receber um soco. Três estão no chão agora, e mais quatro cercam o semideus.