...era uma triste realidade, que fazia Leonardo se questionar se era uma vida digna, se era algo que escolheria para seus filhos. Ser um herói. Ele sequer sabia se era um deles. Mas de uma coisa tinha certeza, eles não nasciam em armaduras douradas, com dentes brancos sorrindo para as meninas.
Não
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Era disso que Homero esquecia de falar. Dos momentos em que o sangue tomava conta da boca. Onde era possível se esquecer de quantos dentes se tinha antes de cada soco. Era nos instantes em que a morte beijava suas almas, pronta para levá-las, que os heróis se tornavam o que eram. É quando olham para as asas do diabo, que os arrasta pro inferno e dizem: hoje não.
O filho de Atena mergulhou no orgulho. Era um grego orgulhoso e incorrigível. Suas raízes não o permitiriam abaixar a cabeça para um nórdico e apanhar, mesmo com sangue escorrendo de sua boca, mesmo com o medo corroendo suas entranhas como aranhas famintas. Não.
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Você morrerá afogado no ódio do sangue grego que derramou. - Bradou, e a multidão se assustou, os tambores pararam de tocar e até mesmo o Jarl tinha ficado boquiaberto.
Voou contra seu adversário como uma flecha. Perfurou sua mão, e o fez largar a espada com um grito e logo em seguida desviou de mais um dos fortes chutes daquele Viking. Ele não estava perdido, não. Leonardo não era um fracote, nem os gregos. Se abaixou e cravou a espada na virilha do bárbaro. Todos os movimentos eram perfeitamente conduzidos por sua fúria, que ignorava a dor e o sangue que saía de seu corpo.
Não obstante, o campeão fez do ar gelado, plumas tão afiadas como espadas surgirem. Elas se materializaram rapidamente, como se o ar escurecesse, ficasse denso e assumisse aquela forma. Em segundo dançavam como leves folhas caindo ao redor dos dois guerreiros, e no outro se direcionavam como armas mortais perfurando as costas do nórdico, sangue jorrou como se um balão vermelho houvesse estourado e espalhado pela arena.
Leonardo respirava com dificuldade, e por um momento, só o vento pôde ser ouvido. Seu adversário caiu de joelhos e encarava o chão enquanto sangue escorria por seu corpo.
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Grego, é? - Ele disse. Seu corpo estava repleto de machucados, e sangrava como se o inimigo de Leonardo tivesse acabado de sair de um massacre. -
Vocês, malditos, sempre se achando melhores e querendo nos causar problemas. - Se levantou, e o campista não conseguia acreditar no que estava vendo. O gigante ficou de pé, parecia ainda maior e seus olhos ardiam com um fogo vermelho e diabólico. -
Não são. - Rosnou. -
Eu sou aquele que veio do mar, para dar aos homens suas espadas. - As plumas descolavam-se de suas costas e caíam ao chão. -
Eu sou aquele que enfrentou Fenrir, enquanto os fracos lutavam para prendê-lo. - Começou a caminhar com imponência na direção do filho de Atena, que não se acovardava. -
Eu sou a justiça. O céu. A Luz. - Se moveu tão rápido que Leonardo não foi capaz de ver, e acertou-o com um soco no estômago que o fez cair ao chão, dessa vez, gritando de dor. Pisou no corpo de Leonardo, que agora via apenas a sombra daquela criatura, e os olhos vermelhos brilhando como os do próprio demônio. Sob aquele olhar, ele se sentia menos importante que uma mosca. -
Eu sou Tyr. A guerra. - Ergueu o punho, o único que tinha. -
E não perecerei diante de helênicos. Socou Leonardo, sem tirar sua armadura. Um, dois, três, continuou por tanto tempo que o filho de Atena já não conseguia contar. Sabia que seus ossos estavam sendo triturados, e já não movia seu corpo. Era sua morte, mas o Deus nórdico fazia questão de ser lenta e dolorosa.
Houve um momento em que seu elmo voou para longe, assim como sua espada e escudo enquanto apanhava em todo canto do seu corpo, e ele já não conseguia prever os movimentos que o atingiriam, seus olhos inchados viam pouco, só vultos vermelhos enquanto apanhava. A arena estava em silêncio, e só os gemidos do filho de Atena eram ouvidos. Quando se cansou, Tyr caminhou até seu machado, e deu as costas para Leonardo que estava caído no chão. Iria pegar a sua arma para dar o golpe final. Era o fim.
Algo queimou dentro do semideus. Ele não sabia se estava chorando. Mas era o orgulho. Maldito orgulho, que o colocou naquela posição. Mas era só isso que restava, só isso que o colocava de pé. E sim, por incrível que pareça, ele se pôs de pé. O corpo tremendo como uma vara fina cravada no meio da neve enquanto o vento rugia. Trovões ecoaram nas nuvens da nevasca.
Ele era grego.
Como Aquiles.
Como Hércules.
E era mais do que isso. A jóia usurpada pelos nórdicos tremeu na caixa sob o banco do Jarl, que não soube como reagir. O medalhão rompeu o baú de madeira e voou em direção à mão de Leonardo. Seu corpo não tinha condições de ficar em pé, e sua mente muito menos ainda de usar as habilidades de Atena, mas ao tocar a jóia debochou daqueles bárbaros estúpidos. Medalhão? Só para idiotas, era uma arma, transmutada em medalhão, e nas mãos do campista assumia sua verdadeira forma. Uma longa espada dourada em forma de raio.
Tyr virou-se novamente para o grego, dessa vez com o machado em mãos. Leonardo sabia que não conseguiria erguer aquela espada e desferir um ataque, nem se quisesse. O som de um trovão ecoou ao longe. -
Vê, grego? Até Thor amaldiçoa sua presença neste lugar. - Um clarão ilumina toda a arena, junto com um barulho ensurdecedor, enquanto Leonardo era atingido por um raio.
Não, não era Thor.